As pessoas vivem muito vestidas e isso as atrapalha a viver melhor. As vestimentas a que me refiro aqui não são as roupas, mas as certezas, as ideias pré-concebidas e as teorias dogmáticas que criam e vestem para experimentar a vida. A maior parte das pessoas estão tão carregadas dessas vestimentas que fica difícil se abrir às experiências e assim não ficam
“disponíveis” para sentir o que quer que seja. Tudo fica “coberto” e abafado pelas vestimentas pesadas que usam.
Quando já estamos vestidos de certezas não se abre espaço para novas descobertas. Já se sabe tudo, afinal de contas, então como haveria abertura para aquilo que não se sabe? Quando olhamos para a vida pelo prisma de ideias já pré-concebidas torna-se impossível perceber aquilo que não se esperava ser visto, para a surpresa. Quando possuímos teorias de como a vida e as pessoas são, nós as encaixamos nos padrões que criamos e tudo aquilo que for diferente é simplesmente descartado, como se não fosse nada. Estar muito vestido disso tudo nos impede de sentir a vida com mais liberdade.
Há pessoas que antes mesmo de começar alguma coisa, antes mesmo de ter uma experiência, já acreditam que sabem como vai ser as coisas e essa crença, esse excesso de vestimentas, corta qualquer olhar, sensação e sentimentos novos que possam porventura surgir. Tudo fica pré-definido, nada sobra para o novo, o desconhecido, porém viver implica sempre ir em direção ao novo e ao desconhecido. Quem apenas fica na segurança do conhecido não vive de fato, mas apenas se limita. Na verdade, se aleija. Essas vestimentas
acabam por nos aleijar.
Lembro-me de um costume tenebroso da Antiga China que eram os pés das mulheres. Para arranjar um bom casamento as mulheres deveriam ter os pés pequenos, entre 8 a 10 cm, e assim desde os seus três anos tinham os pés enfaixados fortemente com tiras de linho para que não crescessem. Ficavam tão bem embrulhados no linho que se deformavam. Esses pés as impediam de se locomover bem, de ter equilíbrio, ou seja, de viver como poderiam antes de serem aleijadas. Isso era um crime.
Essa tradição violenta era uma ação física sobre o corpo das mulheres, mas estamos constantemente aplicando essa mesma violência sobre nossa mente, sobre nosso psiquismo quando nos enfaixamos em nossas certezas e assim nos impedimos de andar pela vida com mais desenvoltura. E o pior é que agora somos nós mesmos que nos enfaixamos nos linhos de nossas teorias.
Houve uma tarde que o pôr do sol estava tão bonito e suas cores tão vistosas espalhando-se pelo céu que comentei com quem estava do lado que não tinha palavras para expressar tanta beleza. A pessoa do lado olhou de relance a paisagem e disse que todo aquele espetáculo de cores e beleza era resultado da poluição que refletia a luz solar de maneira a criar todas aquelas nuances. Sim, era verdade esse fato, mas ela já estava tão vestida do que já sabia que nada mais pode ser visto, nada mais pode ser sentido. Nessas horas é melhor estar nu para poder sentir o que puder ser sentido.
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