segunda-feira, 26 de julho de 2021

Da semente à árvore



           Uma semente não tem semelhança com a árvore que ela um dia poderá ser. A semente guarda dentro de si promessas e possibilidades que podem ou não se realizar. Dependendo das condições, e também da própria semente, ela poderá germinar e dar início a uma nova forma de vida. Para a semente poder virar uma árvore ela precisa passar por um processo de transformação.
           Nos dicionários transformação significa “qualquer tipo de alteração que modifica e dá uma nova forma”. Se olharmos bem a vida inteira é feita de transformações e nada fica fixo. As estações climáticas mudam, o relevo muda, a natureza e toda fauna e flora estão em constantes mudanças. Observando tudo isso podemos também pensar que com nossa vida mental não seria diferente.
           As pessoas, de uma forma geral, falam muito em mudanças e do quanto isso tudo é bom, mas fica-se uma coisa mais falada do que realmente compreendida e vivida. Temos a tendência de racionalizar as experiências que vivemos. O que acontece na maior parte das vezes é que queremos que as coisas lá fora, o mundo, os outros, mudem e não nós mesmos. Esperamos que o mundo mude para melhor, mas sem que nós próprios tenhamos que passar por um processo de transformação.
           É até compreensível essa resistência em mudar. Toda mudança carrega em si o medo do desconhecido, do que vai vir a ser e mais essencialmente de como o próprio ser em mudança será. O desconhecido desperta sempre temores difíceis e intensos. Afinal, mudar é um processo de transformação onde se deixa o conhecido e abraça-se o desconhecido. Uma semente deixa de ser semente e passa a ser outra coisa. É uma transformação total.
           Por isso mesmo, nesse processo de transformação total, muita gente teme a análise. Numa análise, por exemplo, tem-se a chance de passar por um verdadeiro processo transformador. Às vezes, aquilo que pensávamos e acreditávamos que éramos muda e passamos a ver as coisas de maneiras diferentes. A maneira que vivemos pode, num processo analítico, sofrer as mais variadas mudanças e vemos que já não somos mais os mesmos, mas outros. Contudo, abandonar o que se foi e tolerar a transformação do que ainda pode-se vir a ser é algo que faz acordar as mais primitivas e piores angústias.
           Há pessoas que tentam não mudar. Não que isso seja possível. Até mesmo o envelhecimento do nosso corpo é uma mudança que não temos o controle de impedir. Mas tentam não mudar o psiquismo, ficando fixadas nos mesmos pontos e nós. Daí vem muitos sofrimentos psíquicos. Quem resiste a se transformar causa para si próprio e para quem está em volta uma dor realmente desnecessária. Imagine se uma semente se recusasse a germinar. Ela passaria todo o tempo sempre como uma possibilidade e jamais como uma realização, até o dia em que a semente morreria.
           Todavia, nunca sabemos quais vão ser os desdobramentos da germinação de uma semente. Há muitas variáveis e não temos como saber de antemão tudo o que vai acontecer. Com nossas mudanças internas se dá o mesmo. Nunca sabemos o que vamos virar, mas se faz importante abrir-mo-nos para as transformações e lidarmos com o que vamos encontrando. Só assim cresceremos verdadeiramente.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

A mente: nosso maior recurso



       Imagine um supercomputador desenvolvido para as mais complexas tarefas que possam existir. A sua capacidade é gigantesca e capaz de cálculos precisos. Agora, imagine esse potente e fabuloso computador sendo usado apenas para enviar e receber simples e-mails e nada mais. O que você acharia disso? Provavelmente, poderíamos dizer que se trata de um enorme desperdício. É exatamente assim que a maior parte das pessoas vivem suas vidas: num desperdício.
     Somos muito mais complexos que qualquer computador, somos muito mais preciosos. Estamos vivos, somos capazes de criar imensas maravilhas, de curar, de pensar e produzir as mais variadas e fantásticas soluções para muitos dos nossos problemas. Porém, como vivemos? Como usamos nossas potencialidades e possibilidades? Parece que as desperdiçamos.
       Nossa mente é um recurso que possuímos sobre o qual ainda pouco entendemos. Não desenvolvemos nossas mentes nem mesmo para nossa vida diária, para os nossos relacionamentos e para as maneiras que vivemos. A verdade é que nos desperdiçamos.
        Há uma confusão quando falamos de mente. Muitos acham que mente e cérebro tratam-se da mesma coisa, mas não. Cérebro é o nosso órgão, é orgânico, faz parte do nosso sistema nervoso. Mente é muito maior. O cérebro seria o hardware da nossa vida, por assim dizer, enquanto a mente seria o software. Isso é linguagem da tecnologia. O hardware em um computador executa a tarefa no nível da máquina e o software fornece instruções para o hardware.
      Bom, somos muito mais complexos que qualquer tecnologia, mas pouco conhecemos sobre como funcionamos - e quando não sabemos como algo funciona, acabamos usando mal esse algo. Assim estamos vivendo. Não nos damos conta de um dos nossos maiores recursos, que é a nossa mente.
        Uma mente não desenvolvida dá “instruções” equivocadas. O resultado é viver mal, sem qualidade, sem prazer e bem aquém do que poderíamos. É um desperdício, não concordam? Não é à toa que há tanto sofrimento na vida, tantos desentendimentos. Muitas das doenças emocionais e distúrbios psicológicos que enfrentamos vêm do quão pouco sabemos usar nossas mentes.
       Agora, as questões que ficam são: como a usamos melhor? Como podemos desenvolvê-la? Bom, quando queremos compreender como funciona um dado equipamento precisamos nos familiarizar com ele ou, em outras palavras, conhecê-lo. Não há outra maneira. E com a gente funciona da mesma forma. Todavia, somos bem pouco familiarizados conosco. O que mais há são pessoas que evitam o contato consigo próprias, com as próprias dores e medos e fugindo tanto assim não abrem espaço para conhecerem a si mesmas.
       É triste quando as pessoas não se utilizam de maneira eficiente, de maneira a gerar vida. Há um medo em cada um de se expandir, já que se expandir demanda trabalho e assumir responsabilidades. Cada um é responsável pela própria mente, pelas decisões que toma e pelas consequências que causam nas próprias vidas e em seu entorno. Até quando vamos desperdiçar nossa verdadeira força? Até quando vamos sobreviver, em vez de aprender a viver de fato? Até quando vamos negar que temos uma mente que precisamos aprender a usar?

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Pergunta de leitora - A triste melodia a tocar



Namoro há 5 anos um homem cinco anos mais velho. Tenho 27 anos. Desde o início ele nunca teve dinheiro para nada. Chegamos a brigar várias vezes por isso. Sou o oposto dele. Trabalho bastante e sou cheia de planos, inclusive já comprei vários móveis pra nossa casa (pois pretendo ter uma casa) e ele não faz nada. Fica encostado na família, vivendo às custas da mãe.  Ele diz que me ama, mas não trabalha. Sempre que arranja um emprego não consegue se manter por muito tempo. Nas datas festivas não me dá presentes e nem aos finais de semana podemos passear. Está sem grana na maioria das vezes. O cúmulo é dividir um sanduíche ao meio. Ele só paga um pra nós dois. Eu sonho alto e para ele tanto faz. Tem pouca roupa e não está nem aí. Já conversei diversas vezes, briguei e cheguei ao ponto de xingar. Ele sempre diz que me ama, mas nunca muda o jeito de ser. Tenho sofrido e não aguento mais! Vejo minhas amigas sendo bem tratadas pelos namorados e eu implorando para ele tomar jeito. É muito difícil."

            Você vê suas amigas sendo bem tratadas pelos namorados e você sendo destratada, mas será que você se trata bem? Penso que não, caso contrário você já teria saído dessa situação. Você espera que ele mude, mas não percebe que quem pode e deve mudar é você mesma.
            Se você está insatisfeita com o namorado e se já conversou com ele e mesmo assim não notou nenhuma mudança, o que será que você está fazendo consigo? É incrível o número de pessoas que sofre porque não sabe o que está fazendo. A insatisfação é sua e não dele, portanto só você mesma pode cuidar dessa insatisfação.
            Você sabe que tem planos e quer realizá-los, mas também sabe que não irá realizar nada com ele. Pode até ser que um dia ele tome juízo e mude, mas você vai ficar esperando isso até quando? O tempo passa e é um artigo muito valioso, porque o tempo jamais pode ser recuperado. Então cuidar bem do seu tempo é primordial para a sua qualidade de vida. Contudo, ao invés de cuidar, você parece desperdiçá-lo.
            Quando alguém não quer sonhar conosco não há o que se fazer. O melhor é aceitar como as coisas e as pessoas são e seguir em frente. Caso fique com ele, sabe que não poderá contar com ele e terá que sonhar e caminhar sozinha. Quer ficar mesmo dividindo sanduíche para o resto da vida? Não que tenha problema isso, porém, você reclama que não é isso que quer para a vida. Ele não toma nenhuma posição, mas você também não. Enquanto ficar assim tudo ficará na mesma e a insatisfação será a triste melodia a tocar.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

A importância de se despir



        As pessoas vivem muito vestidas e isso as atrapalha a viver melhor. As vestimentas a que me refiro aqui não são as roupas, mas as certezas, as ideias pré-concebidas e as teorias dogmáticas que criam e vestem para experimentar a vida. A maior parte das pessoas estão tão carregadas dessas vestimentas que fica difícil se abrir às experiências e assim não ficam
“disponíveis” para sentir o que quer que seja. Tudo fica “coberto” e abafado pelas vestimentas pesadas que usam.
        Quando já estamos vestidos de certezas não se abre espaço para novas descobertas. Já se sabe tudo, afinal de contas, então como haveria abertura para aquilo que não se sabe? Quando olhamos para a vida pelo prisma de ideias já pré-concebidas torna-se impossível perceber aquilo que não se esperava ser visto, para a surpresa. Quando possuímos teorias de como a vida e as pessoas são, nós as encaixamos nos padrões que criamos e tudo aquilo que for diferente é simplesmente descartado, como se não fosse nada. Estar muito vestido disso tudo nos impede de sentir a vida com mais liberdade.
        Há pessoas que antes mesmo de começar alguma coisa, antes mesmo de ter uma experiência, já acreditam que sabem como vai ser as coisas e essa crença, esse excesso de vestimentas, corta qualquer olhar, sensação e sentimentos novos que possam porventura surgir. Tudo fica pré-definido, nada sobra para o novo, o desconhecido, porém viver implica sempre ir em direção ao novo e ao desconhecido. Quem apenas fica na segurança do conhecido não vive de fato, mas apenas se limita. Na verdade, se aleija. Essas vestimentas
acabam por nos aleijar.
        Lembro-me de um costume tenebroso da Antiga China que eram os pés das mulheres. Para arranjar um bom casamento as mulheres deveriam ter os pés pequenos, entre 8 a 10 cm, e assim desde os seus três anos tinham os pés enfaixados fortemente com tiras de linho para que não crescessem. Ficavam tão bem embrulhados no linho que se deformavam. Esses pés as impediam de se locomover bem, de ter equilíbrio, ou seja, de viver como poderiam antes de serem aleijadas. Isso era um crime.
        Essa tradição violenta era uma ação física sobre o corpo das mulheres, mas estamos constantemente aplicando essa mesma violência sobre nossa mente, sobre nosso psiquismo quando nos enfaixamos em nossas certezas e assim nos impedimos de andar pela vida com mais desenvoltura. E o pior é que agora somos nós mesmos que nos enfaixamos nos linhos de nossas teorias.
      Houve uma tarde que o pôr do sol estava tão bonito e suas cores tão vistosas espalhando-se pelo céu que comentei com quem estava do lado que não tinha palavras para expressar tanta beleza. A pessoa do lado olhou de relance a paisagem e disse que todo aquele espetáculo de cores e beleza era resultado da poluição que refletia a luz solar de maneira a criar todas aquelas nuances. Sim, era verdade esse fato, mas ela já estava tão vestida do que já sabia que nada mais pode ser visto, nada mais pode ser sentido. Nessas horas é melhor estar nu para poder sentir o que puder ser sentido.