segunda-feira, 26 de abril de 2021

Pergunta de leitora - Insistir nos mesmos erros



Durante o namoro ele demonstrou ser estressado, agressivo e muito ciumento. Sempre foi trabalhador e prestativo. Isso me fazia sentir admiração. No entanto, todas as vezes que bebia se transformava e acontecia alguma coisa (crises de ciúme infundadas, que acabavam em agressões verbais e algumas vezes físicas). Sempre pedi pra ele parar de beber. Até parava por um tempo, mas voltava e acabava acontecendo alguma coisa novamente. Eu sempre disse que a bebida era o que o atrapalhava, pois ele realmente é uma boa pessoa. Com tudo isso nosso casamento foi se desgastando, perdi o interesse sexual e estava me sentindo muito triste. No meio dessa confusão conheci um moço que despertou algo em mim. Estava encantada e pensava em terminar meu casamento para tentar viver algo com ele. Não havia traído meu marido de fato, mas estava com vontade. Num certo dia meu marido pegou algumas mensagens nossas no celular. Ele havia bebido, foi muito agressivo e violento. Resolvi tomar coragem e o denunciei na delegacia. Ele saiu de casa. Depois de tudo isso colocamos a cabeça no lugar, vi que o meu envolvimento com o rapaz era apenas fogo de palha e que meu marido me fazia falta. Por outro lado, meu esposo prometeu parar de beber (está indo ao A.A. e fazendo acompanhamento psicológico). Está mais tranquilo, disse que quer mudar pra ter uma vida de verdade ao meu lado e ser pai. Estou muito confusa, pois ele teve tantas oportunidades de mudar e nunca quis. Será que agora ele vai mudar? Tenho medo de reatar e ele voltar a ser agressivo. Gosto muito dele, penso em reatar, mas fico na dúvida se é amor ou apego, pois o sexo ainda continua morno (não sei se pelo fato da nossa relação ter sido tão desgastante). Minha família também tem grande peso pois tanto meus parentes, quanto meus amigos, são contra nossa volta. Me dê uma luz, por favor!​

        Ás vezes as pessoas esperam por uma luz, mas se recusam a abrir os olhos para ver o que está à sua frente. Que luz será que você espera que eu te dê? Creio que você já sabe que a chance de vocês serem felizes é mínima, para não dizer impossível. O que resta, entretanto, é você procurar compreender porque você insiste em negar o óbvio.
        Como você mesma já disse acima desde o começo do relacionamento você já teve indícios de quem ele era. Mesmo assim fechou os olhos e seguiu por um caminho que não tinha mesmo a menor chance de dar certo. Insiste no impossível e com isso leva uma vida miserável. Muitos sofrimentos que vivemos ao longo da vida não nos são impostos, mas são escolhidos pessoalmente. Esse parece ser o seu caso.
        Você só se apaixonou por outro rapaz porque estava disponível, ou seja, não estava de fato envolvida com seu marido. Até pode ser que foi um caso sem menor significância, mas o fato de você estar aberta a outro relacionamento é um indicativo ao qual você deve prestar atenção. Não adianta desconsiderar os fatos porque eles não vão deixar de existir. Há coisas na vida que temos que aceitar a aprender a lidar.
        A violência dele é também sua violência contra você mesma. Sim, porque no começo até pode ser ele quem tenha sido violento e agressivo com você, mas depois você autorizou essa violência ao se submeter a ela. Chegou a ensaiar uma saída dessa situação ao denunciá-lo e se separar, mas agora está tentada a “esquecer” o que se passou. Ele promete mudar e fala sobre uma vontade de ser pai. Pelo amor de Deus! Você considera mesmo ter um filho nessas condições? Claro que a vida é sua e só você mesma pode escolher, mas insistir nos mesmos erros é procurar pelo sofrimento. Hoje não é a vida que te dá sofrimentos, mas você mesma que faz de tudo para encontrá-los.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

O que estamos fazendo conosco?



        Acordo sempre muito cedo, bem antes do nascer do sol e gosto muito de abrir uma ampla janela que tenho para assistir a aurora. Os pássaros iniciando o dia voando alegremente, o silêncio do começo da manhã, uns transeuntes indo ou voltando de seus trabalhos bem como algumas pessoas já se exercitando. Porém, com muita frequência vejo uma cena que se repete. Há uma mulher que passeia aqui no bairro com seu cachorro nesse horário e ela sempre pega as fezes do animal com uma sacolinha plástica e a joga (arremessa com gosto) bem longe de si no meio da calçada. Já vi essa cena muitas vezes. Quase não há ninguém na rua e ela deve achar que não há ninguém vendo, mesmo estando rodeada de prédios altos. Ela joga e deixa lá no meio da rua para algum incauto pisar ou tropeçar. Não tem o menor pudor nem respeito ao sujar as ruas que ela mesma usa todos os dias.
        Fiquei pensando na atitude dessa mulher. Ela não deve fazer isso dentro de casa, mas na rua ela não se acanha em sujar. Talvez porque ela acredite que está jogando fora aquilo que não serve e que precisa ser descartado. O ato de jogar fora, de expulsar, de projetar para longe de si é bem comum e é isso que geralmente fazemos com nossos conteúdos internos acreditando que estamos assim lidando com o que não nos serve e não queremos mais.
        Alguns dos nossos conteúdos internos são bem difíceis de lidar. Esses conteúdos são nossas emoções, sentimentos, medos, angústias, etc. E acreditamos que podemos nos livrar deles jogando fora, mas aquilo tudo que é nosso não temos como jogar fora. Está sempre presente e vamos trombar com o que nos pertence uma hora ou outra.
        Talvez essa mulher acima citada, um dia na pressa, possa ela mesma escorregar na mesma sacolinha que descartou de maneira imprópria. É isso que acontece quando não lidamos de maneira efetiva com nossos conteúdos internos. Esbarramos e topamos com eles numa experiência desagradável. 
        Já que não dá para jogarmos fora o que está dentro só há uma alternativa possível, então: lidar com eles e transformá-los. Tal como as fezes podem ser adubos para tornar campos férteis, nossas emoções e sentimentos podem adubar nosso crescimento e fortalecimento. Quanto mais conhecemos aquilo que consideramos “sujo” e que nos pertence mais chance temos de lidar de forma eficiente. Entretanto, quanto mais praticamos o esporte de arremessar nossos conteúdos longe mais vamos criando situações nas quais vamos escorregar lá na frente. 
        ​O ser humano é incrível. Tem possibilidades de ser altamente inteligente e fazer coisas maravilhosas, mas tem também um lado estúpido que o faz criar armadilhas para si mesmo. A maior parte dos sofrimentos que vivemos não é o mundo que traz, mas nós mesmos que criamos. Estamos sempre armando arapucas que vão nos trazer dores desnecessárias. Quem entende isso sabe que o lixo não pode ser arremessado, mas precisa ter um destino apropriado. Entende que lidar com a vida não é postergar o problema nem aumentá-lo. O que estamos fazendo conosco? É a esta pergunta que devemos responder.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Pergunta de leitor - Um simples homem


Moro na cidade de São Paulo e sou um empresário bem-sucedido. Tenho muitos funcionários que dependem de mim e que fazem tudo o que eu mando. Sem querer parecer arrogante eu sou como um rei. Mando e desmando e fiz muito pela empresa em que dou o sangue. Sou financeiramente muito bem pago e dou à minha família tudo o que ela pede, sem fazer miséria. Dinheiro não é problema, carreira não é problema, mas a vida doméstica não vai nada bem. Minha mulher quer o divórcio. Não sei por quê. Ela tem tudo, nada falta. Ela diz que não me ama mais e no começo achei que ela estivesse tendo um caso extraconjugal, mas depois de meses de um detetive que coloquei para vigiá-la, nada foi encontrado. Parece que ela nunca foi infiel. Só brigamos, ela não me obedece, não me escuta, só reclama. Como pode ela querer se separar? Será que ela tem depressão? Já ouvi dizer que pessoas depressivas ficam loucas e jogam coisas boas fora.

    Você não entende e cria uma confusão quando espera que a vida profissional e a vida pessoa funcionem da mesma maneira. No trabalho você é um “rei”, nas suas palavras, manda e desmanda e todos têm que dançar conforme a música que você toca. Neste lugar você compreende o funcionamento dos relacionamentos e se impõe de forma autoritária. Talvez por isso mesmo, por saber muito bem como funcionam as coisas nessa dimensão, tenha tido tanto sucesso e seja tão requisitado. O problema, contudo, é que você quer viver sua vida pessoal como você dirige a empresa.
    Sua esposa não tem que te obedecer. Ela não é uma funcionária que você manda e desmanda ao bel prazer. O contrato entre vocês não é empregatício, mas é de outra natureza. Parece que essa dimensão pessoal, familiar, você desconhece completamente. Fica ignorante de como funciona um casamento e uma família. Dentro da família você não é Deus Todo-Poderoso, mas apenas mais um membro. Será que você suporta isso?
    Provavelmente na empresa você adota uma persona muito poderosa e cheia de influências. O lado mais onipotente fica alimentado e encontra um lugar para existir e se expandir. Em muitas empresas a onipotência é até incentivada. Infelizmente o mercado de trabalho pode ser perverso. No entanto, desejar viver essa dimensão de onipotência dentro da família vai com certeza trazer problemas. Será que não é isso que sua esposa não aguenta mais? Talvez ela precisasse de um marido e não de um chefe poderoso.
    A questão que se faz necessária é você compreender porque você precisa levar para casa seu lado profissional. Pode ser que não se sentir poderoso te desperte muitas angústias com as quais você não sabe lidar. A vida familiar e um casamento tem angústias que não são resolvidas como você resolve os problemas no trabalho. Não saber como viver essa dimensão deve lhe trazer muitas aflições que você evita vestindo o lado do rei que tudo pode e sabe. Só que já cansou sua mulher. E não se engane, não é ela jogando fora coisas boas, mas você. Quem sabe você não pode aproveitar essa crise familiar e repensar sua vida? Só depende de você abrir mão do “manto real” para aprender a ser um simples homem.

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Limites, agressividade e frustrações



        Quem nunca presenciou a cena de uma criança fazendo birra e esperneando publicamente e os pais, constrangidos, cedendo ao que o filho(a) deseja? Pois é, realmente é difícil impor limites aos pequenos, mas fundamental para a saúde de suas futuras vidas mentais. É difícil porque limites frustram e tememos que frustrações sejam o mesmo que violência. Entretanto, todas as crianças, e adultos também, precisam saber que querer nem sempre é poder.
            Impor limites à uma criança é dizer-lhe não, algo que ninguém gosta de ouvir. Mas quem disse que as crianças devem ser atendidas e gratificadas em todos os seus desejos? Agir assim é fazer um mal terrível à criança, que passa a ver as frustrações como coisas terríveis na vida e não como coisas naturais. Hoje em dia há um excesso de má psicologia que proclama que não devemos frustrar as crianças senão elas ficarão recalcadas e inibidas, esquecendo que na vida as frustrações fazem parte. Claro que uma criança só ouvir "não" vai sofrer inibições, mas se por outro lado tudo for permitido, ela terá uma falsa ideia do que é a vida.
        Tanto o "não" quanto o "sim" são importantes. Quando há um equilíbrio entre eles a criança pode perceber e internalizar que na vida nem tudo se pode. Saberá melhor avaliar o que deseja e se esse desejo pode ou deve ser realizado. Se a educação emocional dada promove tanto a frustração quanto a autorização dos desejos infantis cria-se uma possibilidade de surgir um adulto que saberá lidar com as frustrações de maneira eficiente, bem como se permitir realizar aquilo que de fato lhe importa. Caso não haja proibições abre-se espaço para surgir alguém despreparado para a vida e entregue às próprias pulsões agressivas.
        Ao espernear e fazer birras uma criança dá vazão à sua agressividade, e se os pais cedem, para acabar com o escândalo, dão a entender que a agressividade é que resolve tudo. As crianças acreditam, então, que sua agressividade é extremamente poderosa e que se utilizando dela terão tudo o que desejam. Bom, está aí a receita para se criar seres agressivos, sem limites e totalmente alienados sobre como a vida funciona. Tornam-se adultos insuportáveis e altamente destrutivos que ainda acreditam que querer é poder. Vão espernear por tudo e em qualquer momento, porque são incapazes de tolerar a menor frustração que seja.
        Infelizmente, há muita gente desavisada que acredita fervorosamente que é uma violência permitir que crianças pequenas se apercebam de frustrações. Essa gente presta um enorme desserviço, já que alimenta a crença infantil, que já existe naturalmente, de que os desejos infantis são poderosos e imperativos. Ora essa, só podemos amadurecer quando passamos a saber desejar, quando podemos transitar por nosso labirinto de desejos e compreender que nem tudo que desejamos é bom.
        Uma pessoa madura emocionalmente, em outras palavras, é alguém que sabe impor limites aos seus próprios desejos e que não fica submetida a eles. Dá para ver então como
impor limites, de maneira adequada e amorosa, é uma ajuda imensa que damos às crianças.
        Quando uma criança recebe um "não", em princípio, ela o sente como um desprazer muito grande. Depois ela tem a chance de sentir esse mesmo não como uma proteção, porque entende que será contida quando isso se fizer necessário, compreende que não ficará perdida em tudo o que deseja e poderá aprender a saber desejar. Quem nunca ouviu "não" jamais poderá ser capaz de pensar sobre a vida e viver plenamente.