segunda-feira, 29 de março de 2021

Pergunta de leitora - Não se prende uma brisa



Sou apaixonada pelo meu namorado. Vivo por ele e não saberia viver sem ele. Já estamos juntos há 5 anos e pretendemos nos casar. Nossa relação é maravilhosa e queremos construir uma família. O que atrapalha para nós é que sou excessivamente ciumenta e tento controlar todos os passos do meu namorado. Ele reclama muito sobre isso e tem dias que até perdeu a paciência comigo e disse ter dúvidas sobre nosso futuro. Só de ouvir algo assim fico tremendo de medo. Um dia quando ele disse que talvez fosse melhor nos separarmos eu até tive febre naquela noite, acredita? Tenho medo de perdê-lo e por isso que sou ciumenta. Ele reclama que não o deixo livre com os amigos e que tento prendê-lo, mas é apenas meu medo que faz eu fazer essas coisas. O que posso fazer para deixar de ser tão ciumenta?
 
          Uma pessoa está dentro de casa passando um calorão. O tempo está tão abafado e o calor insuportável, mas de repente uma brisa refrescante surge e entra pelas portas e janelas abertas. A pessoa sente aquela brisa maravilhosa e fica encantada com o frescor que é proporcionado. Ela se apaixona perdidamente pela brisa e não quer mais que ela vá embora. Tomada por um medo de que assim como a brisa entrou ela saia, a pessoa corre a fechar todas as portas e janelas. Assim não há escapatória para a brisa. Ela terá que ficar dentro de casa. Afinal, a pessoa a ama e não quer perdê-la. Todavia, no momento que as portas e janelas foram trancadas a brisa cessou de existir. Ela só poderia existir com a abertura e não com tudo fechado.
          Acho que já deu para entender o que quero dizer. Você não compreende o amor assim como a hipotética pessoa acima não compreendia a brisa. Quando ficamos ignorantes sobre como algo funciona tendemos a nos equivocar e fazer escolhas prejudiciais. Você escolhe mal tentando controlar seu namorado, achando que assim vai garantir o amor dele. Na verdade, você fecha tanto as portas e janelas que o amor não tem como existir.
          O amor é como a brisa. Precisa de abertura para transitar e fazer o seu encanto. No momento em que é preso perde sua natureza e torna-se outra coisa que não mais amor. Ar parado e viciado não refresca nada. O amor também é para os corajosos. Quem tem medo não tem a menor possibilidade de viver o amor. O amor requer coragem porque ele é livre e jamais pode ser possuído. Aqueles que têm medo só conseguem se relacionar com aquilo que é preso e pode ser possuído.
          Quantos casais não começam se encantando um com o outro, mas no meio do caminho o medo de perder o que estão vivendo surge e passam então a desejar possuir estragando tudo o que tinham? Incontáveis casais! O amor não dá garantias de nada. Ele só pode ser vivido e apreciado. Porém, quanto mais nos abrimos a isso mais o amor tem chances de correr livre em nossas vidas. Amor não é para covardes, mas para os de coração valente.

segunda-feira, 22 de março de 2021

Entre a verdade e a mentira



        São muitas as pessoas que se surpreendem quando sabem que um psicanalista tem que passar pela própria análise pessoal durante um tempo considerável para poder exercer o seu trabalho de maneira eficiente. Aliás, muitos até sabem desse fato, mas não entendem propriamente ou entendem apenas de maneira racional. No entanto, um psicanalista que atende seus analisandos sem ter passado ou estar passando por sua própria análise corre riscos graves de meter os pés pelas mãos durante o atendimento ou até mesmo de prejudicar o analisando.
        Para alguém que está se afogando é preciso que quem vá salvar saiba, pelo menos, nadar bem. Não tem como outra pessoa que não sabe nadar nada pular na água e ir buscar quem está se afogando. Parece óbvio, não? Contudo, existem muitos “profissionais da saúde mental” sem saber nadar o suficiente tentando “salvar” muitos que estão se afogando. Já deu para perceber que não tem como isso acabar bem. Afinal, um cego conduzindo outro cego podem acabar, os dois, no precipício. 
        Agora, até há profissionais que entendem racionalmente que precisam passar pelo próprio processo analítico para poder atender com mais propriedade, mas que ficam apenas na dimensão racional, sem de fato viver a experiência nem entendê-la. Acaba-se ficando muito teórico, sem que toda esta teoria encontre uma base para se sustentar. 
        O que torna um analista mais preparado para poder fazer bem seu trabalho é a sua própria mente, o quanto ele pode se aproximar de seus conteúdos internos e lidar com eles de uma forma minimamente competente. É porque para ajudar alguém a se aproximar dos próprios conteúdos mentais requer que se saiba, por experiência própria, como se aproximar de conteúdos que são muito intensos e, muitas vezes, assustadores. Se o profissional não tem capacidade de viajar dentro de si mesmo como poderá ajudar alguém a viajar internamente para encontrar tudo aquilo que sempre causou medo e dor?
        Não ter preparo leva ao erro em que muitos profissionais confundam-se com o que é de seus analisandos ou então desejem por seus analisandos. Fica-se indiscriminado o que é do outro e daí nascem muitos mal-entendidos. Nesses casos, os dois podem se afogar. 
        Dizem que uma mulher foi até Gandhi pedir que ele dissesse ao seu filho para parar de comer açúcar, já que era diabético. Gandhi pediu para ela retornar dali um mês. Ela assim o fez e quando Gandhi viu o menino pediu-lhe para parar de comer açúcar. A mãe não entendendo perguntou por que ele não havia dito isso ao menino um mês atrás e Gandhi respondeu que há um mês ele ainda comia açúcar e que para dizer para o menino parar de comer açúcar ele sentiu necessidade dele primeiro evitá-lo.
        Se um psicanalista apenas faz sermões ou profere pérolas de sabedoria está, na verdade, enganando seu analisando. É uma coisa falsa, sem verdade e sem base. Porém, quando um analista se permite empreender uma jornada dentro de si mesmo e enfrenta o que carrega ,tem muito mais recursos e base para poder conversar com seu analisando. Afinal, ele já esteve lá onde o analisando está e poderá então compreender muito mais do que se passa. Aí está a diferença entre a verdade e a mentira.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Pergunta de leitor: Sozinho na multidão



Me sinto muito só. Moro em uma grande cidade, mas não tenho amigos e nenhum relacionamento duradouro. É que é difícil gostar das pessoas. Elas são sempre muito complicadas. Quando estou só até imagino que gosto das pessoas e que quero estar perto delas, mas quando realmente estou com elas não vejo a hora de voltar para casa e ficar sozinho. É difícil suportá-las. Sou homossexual e marco encontro sexuais pela internet todos os dias e as vezes até mais de uma vez por dia. Estou viciado nisso, mas mesmo conhecendo tanta gente não há ninguém com quem eu namore. O que será que me acontece?

        Você se sente só e, ao que tudo indica, faz de tudo para assim ficar, apesar de que isso lhe incomoda. Você se contraria porque quer estar com gente, mas não as suporta. Quer um namoro, mas persiste em uma atitude que te afasta das pessoas e do que pode ser construído com elas. A questão é: o que será que de fato você quer?
        Parece que você quer o impossível. Por isso mesmo fica tão frustrado porque quem deseja o impossível só se frustra. Na sua imaginação você consegue estar com as pessoas e até ter um namorado, mas a imaginação é controlada por você e depende inteiramente de você, apenas. É mais do que imaginação, podemos chamar de alucinação. Você alucina estar com as outras pessoas. Alucinação não precisa passar pelo teste da realidade e os relacionamentos por você criados se moldam a tudo aquilo que você quer e deseja. Assim é fácil mesmo.
            Já num relacionamento verdadeiro existe a presença e vontade do outro, que pode ser contrária à sua e, com isso, trazer decepções. Uma pessoa real não funcionará de acordo com o que você acha que ela deva ser, mas terá existência própria. É isso que você não suporta, o não-eu. Não tolera a independência do outro e que este tenha funcionamento diferente do seu. Por isso escrevi que você deseja o impossível, pois você quer estar com outros, mas só se for de acordo com o seu desejo e não como eles (os outros) podem ser na realidade.
        Ao se isolar você mantém a sua alucinação, porém, se empobrece, porque os verdadeiros relacionamentos são reais e difíceis. O prazer do sexo você até tem marcando pela internet, mas esse prazer não te preenche e te deixa com mais sentimentos de solidão e vazio. A compulsão sexual que você hoje apresenta é uma tentativa desesperada de ter contato, contudo, esse contato não é satisfatório porque não é verdadeiro. Você precisa compreender o que evita quando troca a realidade pela alucinação. Para isso existe a psicanálise, que pode te ajudar a conhecer o que você vem fazendo e então transformar a maneira que vem vivendo para uma outra que seja, sim, verdadeiramente satisfatória.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Sobre a ansiedade



    ​A ansiedade é um estado de mente terrível. Quem a sente - e todos em menor ou maior grau a sentem - sabe bem como ela é extremamente desestabilizadora. Tira a paz e a tranquilidade e deixa no lugar uma sensação de se estar quebrado, um gosto insuportável, um verdadeiro buraco negro que tudo suga de bom à sua volta sem deixar nada. A ansiedade existe, é um fato, e nada podemos fazer para evitar que ela continue a existir, mas entre senti-la e viver constantemente com ela há um abismo que faz toda a diferença. Viver, assiduamente, oprimido pela ansiedade pode ser a experiência mais aterradora que alguém pode ter. Então, saber lidar com a ansiedade que se sente é mais do que importante, é vital.
    Pode ser por um emprego que está em risco, por um relacionamento que está em jogo, pelo dinheiro que vai indo e que demora para voltar, pela saúde que não anda bem, pelo outro que tanto gostamos ou por qualquer outra razão, a ansiedade tem várias formas e todas nos levam a temer o futuro e o que ele nos reserva. Ela liga um sinal de alarme interno que vislumbra sempre os piores cenários possíveis e as consequências mais nefastas. Entregar-se às fantasias que a ansiedade desperta já é perder porque nestas fantasias não há a menor possibilidade de final feliz e tudo já fica pré-definido. Viver em ansiedade é a pior prisão em que alguém poderia entrar.
    Como então lidar com esse mal? Como se preservar de algo que nos pega tão intensamente e que só nos leva a imaginar o pior? O grande erro é que as pessoas quando tomadas por estados de mente dolorosos têm a tendência de se livrarem deles o mais rápido possível, como se o que sentíssemos fosse um pedaço velho de papel que pudesse ser facilmente amassado e jogado no cesto de lixo. Quem dera fosse fácil assim! Porém, o que sentimos não pode ser descartado desta forma, até mesmo porque sentimentos não têm como ser jogados fora. Eles podem ser transformados.
    Se não podemos chutar a ansiedade para longe, fazemos o que com ela? Só há uma possibilidade, mas esta exige coragem e paciência, qualidades que andam em falta. Para com a ansiedade só podemos aceitá-la. Isso mesmo. Aceitamos a sua presença assim como somos obrigados a aceitar uma tempestade. Não podemos controlar o tempo e quando nuvens carregadas resolvem despejar sua fúria sobre nós só nos resta curvar e aceitar até que passe. E por pior que seja uma tempestade ela sempre passa. Com a ansiedade é a mesma coisa. Ela também passa, mesmo que sintamos que ela seja eterna.
    O sentimento de ansiedade sempre fará parte da vida de qualquer pessoa. É uma realidade que não mudamos. Agora, o que podemos fazer em relação a isso é evitar que ela permaneça conosco além da conta e também não acreditar que seus estragos possam ser maiores do que nossa capacidade de reconstrução. O pensador chinês da antiguidade Confúcio dizia que “impedir que os pássaros da aflição sobrevoem sobre nossas cabeças não temos como evitar, mas que eles construam ninhos sobre elas, isso sim, temos como evitar.         Contra os maus elementos de uma tempestade podemos construir casas seguras, abrigos fortes que nos protejam. Essas “casas” e “abrigos” precisam ser construídos e desenvolvidos internamente. São nossos recursos internos. Mais vale nos voltarmos internamente do que apenas desejar que a ansiedade vá embora.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Série PASSADO: #1 O passado e a culpa

 Assista à minha nova série "Passado". Como você lida com ele? Nesse primeiro vídeo falo sobre passado e culpa.

Paixão e crueldade

    
    O psicanalista Bion dizia algo assim: “Amor sem verdade é simplesmente paixão e verdade sem amor é simplesmente crueldade”. Portanto, para ele verdade e amor quando andavam juntas é que seria bom. Qual o problema da paixão? Bom, com paixão me refiro aqui àquela paixão cega que não permite ver mais nada além daquilo o que se deseja. Não estou me referindo ao ato de se encantar e se entusiasmar com algo. Isso é bom e até abre muitas oportunidades na vida, mas quando nos cegamos e só vemos o que desejamos desconsiderando qualquer outra coisa, torna-se perigoso.
    Há aquelas pessoas que se apaixonam tão fortemente por uma outra que deixam de lado qualquer outro dado da realidade que possa mostrar fatos importantes. Elas não admitem que estão cegas e quando alguém aponta um lado que elas, inicialmente, não haviam visto ficam muito bravas e sentem que estão atacando seus sentimentos. Quem nunca viveu algo assim, se pelo menos não na própria pele ao menos vendo alguém próximo agindo dessa forma?
    Não há paixões apenas por outras pessoas, mas por ideias também. Por exemplo, uma pessoa se apaixona tão intensamente por uma ideologia que aí tudo e todos que forem contra essa mesma ideologia é sentindo como inimigo. É só ver como andam os grupos políticos que hoje afirmam suas paixões por esse ou aquele político ou partido.
    Tudo isso é paixão e pode ser bem perigoso, pois leva à ilusão. A paixão, nesses casos, não admite o encontro com a verdade. Importa apenas o desejo e tudo o mais é descartado. Quando o desejo impera sem nenhuma outra consideração a própria vida corre risco. Os crimes passionais são bem isso. Chamam-se passionais porque o que está predominando é a paixão pura e simples.
    No entanto, verdade sem amor é pura crueldade. Pois a verdade nua e crua é apenas uma faca afiada que corta sem empatia alguma. Há pessoas que falam verdades, ou que pelo menos acreditam que sejam verdades, de forma brusca e acabam sendo apenas impiedosas. É que nesses casos não se tem respeito algum ao próximo. Tratam o outro como se fossem máquinas. Isso é muito cruel e desalentador. Essa atitude leva à insensibilidade.
    Ser verdadeiramente humano implica em todo um processo que requer equilíbrio. Sem esse equilíbrio ficamos desestabilizados e por um fio, caindo nas ilusões ou nos tornando insensíveis. Para nos mantermos bem é necessário sairmos dos extremos. Só podemos andar, voar, nadar, se pudermos de certa forma encontrar uma posição de equilíbrio. Para viver não seria diferente.
    Comer demais faz mal, mas comer de menos também. Exercitar-se demais é prejudicial, mas de menos também é. E por aí vai. Quando se trata de nossos amores e verdades também funciona assim. O próprio planeta Terra está posicionado num lugar onde está, ao mesmo tempo, próximo do Sol (paixões) e distante dele, para permitir que a vida exista sem ser queimada (verdades). Nem calor excessivo nem frio congelante insensível. Conosco também é assim.