segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Saber desejar bem


      O filme francês A pele de Onagro (2010), baseado no livro homônimo de Honoré de Balzac, publicado em 1831, conta a história de um jovem e ambicioso aristocrata falido que tomado pelo desespero de sentir que havia fracassado em tudo a que se propunha e também por não ter seus desejos satisfeitos, planeja se matar. Antes desse ato acontecer ele encontra num antiquário um estranho e velho cego que lhe oferece uma misteriosa pele de onagro (um tipo de asno no Oriente) que satisfaz todos os desejos de quem a possui. Todavia, para isso, a vida de quem tinha os desejos atendidos seria encurtada drasticamente.
      O jovem, muito frívolo e pouco sábio, aceita o pacto e em questão de horas torna-se muito rico e admirado por toda Paris do século XIX. Ele fica inebriado pelo luxo e pelos prazeres que sua nova posição lhe confere e encontra uma bela condessa por quem se apaixona perdidamente devido a seu esplendor, deixando de lado o amor de uma moça honesta e humilde com quem anteriormente estava envolvido. Evidentemente, todas essas suas escolhas vão se mostrando desastrosas e cobrando um preço alto demais tanto para o jovem quanto para muitas pessoas ao seu redor.
     Essa história já foi contada diversas vezes e de variadas formas por muitos bons autores. O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, por exemplo, mostra uma pessoa que para ter seus desejos atendidos faz um pacto com alguma força sobrenatural, sofrendo, depois, as terríveis consequências. É um tema recorrente na literatura, teatro e cinema porque conta algo que se passa com muitas pessoas mundo afora. Basta ver as histórias daqueles que ganhando muito dinheiro na loteria acabaram em pouco tempo perdendo tudo, ficando em situação pior do que antes de ganhar uma fortuna.
     Acreditamos que se todos os nossos desejos fossem atendidos seríamos muito mais felizes. Atrelamos nossa felicidade ao quanto somos gratificados externamente e perdemos o foco no que é realmente felicidade. É um estado de mente bem primitivo achar que o que importa é o quanto temos e não o que somos e vivemos de fato. Isso acontece porque nem sempre o que desejamos é bom. Com muita frequência desejamos mal ou desejamos aquilo que vai nos fazer mal. É que desejar bem requer uma mente minimamente desenvolvida, senão vamos desejar o que na verdade não precisamos e nem vai nos fazer tão bem assim.
     São muitas as pessoas que estão desejando mal e se desperdiçando de tal forma que não percebem que estão vivendo como se estivessem sob um pacto maligno que cobra muito caro. Quem não conhece exemplos assim? De pessoas que querem tanto uma coisa, achando que aquilo é tão vital, que desperdiçam energia e vida em algo que depois nem era importante. Gente que quer relacionamentos com aquela pessoa custe o que custar e depois vive uma vida infeliz; outros que querem ter isso ou aquilo para depois perceberem que tudo o que desejavam era apenas uma ilusão. Se o desejo está baseado na ilusão o resultado será sempre infelicidade. Para não ser assim é necessário que o desejo seja verdadeiro, que ele esteja numa outra dimensão interna e que tenha um sentido.
      Desejar por desejar é sempre algo que nos leva ao perigo e nunca ao crescimento. Até para desejar é preciso desenvolver uma mente.

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