segunda-feira, 10 de março de 2014

Análise de Filme - A Caça


            O filme dinamarquês A Caça (Jagten, 2012) mostra um lado muito sombrio do ser humano, de extrema violência. Lucas é um quarentão que trabalhava em um jardim de infância de uma pequena vila. É amigável e é também muito querido pelas crianças da escola onde muitas vezes era feito de palhaço pelos pequenos. Havia acabado de passar por um divórcio e lutava pela guarda de seu filho adolescente. Estava se envolvendo amorosamente com uma colega de trabalho e tudo parecia que ia bem. O que poderia dar errado nesse cenário? Tudo.
            Klara, uma pequena menina da escola em que Lucas trabalhava, nutria por ele uma paixão infantil. Como todas as paixões era intensa e perigosa. O professor por ser vizinho dela muitas vezes a acompanhava de casa até à escola e fazia também o caminho de volta. Klara sofria de determinadas obsessões que a impediam de pisar nas listas na rua e com isso não olhava para frente o que fazia com que não visse para onde estava indo e se perdesse. Lucas se compadecia dela e era extremamente carinhoso e atencioso e deixava a menina brincar com sua cadela. Uma menina levemente problemática, bastante imaginativa e solitária. Não é de se surpreender que iria se apaixonar pelo professor.
            Conforme essa paixão infantil vai sendo alimentada por Klara ela começa a querer a beijar o professor na boca, coisa que viu em fotos pornográficas e mais muitas outras coisas que pertenciam ao seu irmão adolescente. Lucas prontamente se desvia do beijo. Klara manda um coração de plástico para ele e ele diz a ela que ela deveria mandar esse coração para algum coleguinha ou para o pai e mãe. Óbvio que Klara se sente rejeitada e uma paixão intensa pode facilmente se tornar fúria. Enfurecida, ela conta à diretora da escola que odiava Lucas e inventa que ele havia mostrado suas partes íntimas em ereção para ela. Como era de se esperar isso causa um choque na diretora que envolve a polícia no caso. Avisa todos os pais do ocorrido e Lucas que era antes querido por todos passa a ser visto como um pervertido.
            Tudo vira uma verdadeira caça às bruxas e mais pais começam a dizer que seus filhos também foram abusados pelo professor. Torna-se uma verdadeira epidemia histérica onde o gozo é se tornar vítima de uma situação atroz. As próprias crianças entram nessa alucinação coletiva e dão cada vez mais detalhes escabrosos do que supostamente lhe aconteceram e os pais empreendem uma verdadeira cruzada contra Lucas que fica proibido de fazer compras, sair na rua e continuar com a vida. O que é assustador é perceber com que facilidade e ganância Lucas já é tido como perverso e com que violência as pessoas o tratam.
            Mesmo após Klara ter dito para a sua mãe que havia inventado tudo e que Lucas nada havia feito não adianta. A mãe já estava cega e decidida a se entregar à violência que sentia. Nega o que a filha diz e acredita que esta falou isso porque tem medo e queria proteger Lucas. Crianças não mentem é o que todos dizem e repetem. Ora, uma criança mente e muito e todos negaram esse fato para poderem gozar na violência. É um fato que todo indivíduo carrega dentro de si violência e achando uma brecha essa violência pode se manifestar. O ato de se arrumar um bode expiatório para se projetar a agressividade que se sente gera certo tipo de prazer e alucinar situações para justificar a violência se torna possível.
            Uma criança que afirma ter sido abusada precisa ter isso bem apurado, pois abuso é coisa séria e altamente destrutiva. Entretanto, o que acontece no enredo do filme é que as coisas não foram devidamente apuradas. Simplesmente Lucas serviu como depositário de toda agressividade reprimida das pessoas na vila. Ele se tornou um monstro porque as pessoas projetaram nele seus lados monstruosos. É isso que é sombrio no ser humano: a razão é negada e o que há de pior dentro de cada um toma conta e esse lado obscuro se espalha impedindo que as pessoas pensem e reflitam sobre o que realmente se passa.
            Depois das autoridades terem apurado o fato e nada constatarem Lucas foi solto e mesmo assim se tornou vítima da violência levando pedradas e ouvindo impropérios. Sua cadela foi morta como retaliação e sua vida e a de seu filho se tornaram impossíveis. E assim como veio passou. O pai de Klara, antes amigo de Lucas, decide que essa história é falsa e voltam a bons termos. Os outros da vila também seguem esse movimento e Lucas é aceito novamente até que numa caçada alguém atira bem perto de Lucas para mostrar que ainda se lembravam. Mas se lembravam do quê se nada havia ocorrido? Se lembravam que tinham dentro de si destrutividade e que esta sempre precisava de algum depositário. O ser humano tem mesmo um lado terrível e mesmo pessoas aparentemente tranquilas podem realizar os piores atos possíveis quando não existe uma mente para pensar verdadeiramente.

4 comentários:

  1. Ótima análise, sua "teoria" para o ocorrido no filme tem muito haver e é super aceitável. Parabéns.

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  2. Também enxerguei o enredo dessa forma, mas conheço uma pessoa que terminou o filme sem ter certeza da inocência do professor. Excelente filme, nos leva a pensar.

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