Vivemos em uma sociedade que
cultua perseguir sonhos a qualquer custo. “Corra atrás dos seus sonhos”,
escutamos desde cedo, como se bastasse isso para ser feliz. No entanto, há
muitos sujeitos adoecidos não pela ausência de sonhos, mas por terem realizado
aquilo que acreditavam desejar — e, ao alcançarem o tão esperado “sucesso”,
deparam-se com um vazio difícil de nomear. A conquista se torna sem sentido. A
vitória, sem sabor. O sonho, por fim, se mostra estranho: nunca foi deles, de
fato.
A pergunta que se impõe é: de onde vem esse sonho que tanto nos
move? A resposta jamais é simples. A construção do desejo passa por
caminhos tortuosos, marcados pelas identificações infantis, pelas expectativas
dos pais, pela cultura e pelas defesas que organizam o psiquismo. Muitas vezes,
aquilo que um sujeito persegue com tanto afinco — uma carreira específica, uma
imagem de sucesso, um tipo de vida — é, na verdade, uma tentativa inconsciente
de atender a um ideal que não lhe pertence, mas que se infiltrou
silenciosamente em seu mundo interno como um mandamento. “Se eu for isso, serei
amado.” “Se eu conquistar aquilo, serei visto.” “Se eu tiver aquilo outro,
finalmente serei alguém.”
A idealização é algo potente
na mente humana. Ela é necessária em certos momentos do desenvolvimento
psíquico, mas pode também aprisionar o sujeito em roteiros rígidos, distantes
de sua verdade mais profunda. O que se revela, com o tempo — muitas vezes por
meio de sintomas, crises existenciais, ansiedades difusas ou até mesmo estados
depressivos — é que houve um desencontro entre a trajetória vivida e o desejo
verdadeiro. Como dizemos na psicanálise, o sujeito foi levado por um falso self, uma versão
adaptada de si mesmo que se molda às exigências externas, mas que não é
sustentada por uma experiência viva de autenticidade.
Essa distância entre o sonho
idealizado e o desejo genuíno cobra seu preço. Ela rouba tempo e vitalidade.
Deixa o sujeito exausto, ressentido, confuso. A frustração não é apenas com o
mundo, mas consigo mesmo. Há o luto pelas oportunidades perdidas, pelas
escolhas que não foram feitas, pelas portas que se fecharam em nome de um
projeto que, ao final, não sustentou a alma. E, talvez o mais difícil: há a
necessidade de reconhecer que parte da vida foi vivida como encenação — e que
será preciso começar de novo, desta vez a partir de uma escuta mais honesta e
menos idealizada de si.
A análise oferece exatamente
esse espaço. Um lugar onde é possível desmontar o ideal, suspender os roteiros
herdados, e perguntar: o que,
afinal, eu quero? Mas essa pergunta só pode ser feita quando há
coragem para se desapegar das falsas certezas e disposição para se aproximar
das zonas de sombra, onde mora o desejo ainda não nomeado. Muitas vezes, é
apenas no fracasso do sonho idealizado que o verdadeiro desejo começa a se
esboçar.
Como disse o psicanalista
inglês Winnicott, “é um alívio
ser verdadeiro, embora possa ser extremamente doloroso descobrir que fomos
falsos.” A dor do autoengano não é pequena. Mas a possibilidade de
reconstrução é imensa. Ao reconhecer que aquele sonho não era seu, o sujeito
pode, enfim, deixar de atuar papéis e começar a viver — não mais para
corresponder às expectativas do outro, mas para habitar a própria existência de
forma mais livre e criativa.
Porque viver o sonho do outro
é sobreviver. Mas viver o próprio desejo é, enfim, existir.
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