terça-feira, 5 de julho de 2022

Para se viver menos idiota

 

                                             Foto de Dominik Jirovský 

Se me perguntarem sobre os benefícios que uma análise pode proporcionar na vida de alguém não tenho dúvida nenhuma de que o principal motivo é para alguém viver de forma menos idiota na vida. Sim, a análise serve para se viver menos idiota. Aliás, a palavra idiota vem do grego antigo e significa “aquele que vive apartado da vida pública”, ou seja, aquela pessoa que se aliena de seus direitos e obrigações. Usavam o termo ‘idiota’ para designar todos aqueles que não assumiam a responsabilidade ou que tinham desinteresse pelo Estado que norteava a vida dos cidadãos. 

Agora, quem norteia a nossa vida individual? Somos nós mesmos e o instrumento que utilizamos para isso é a nossa mente (Estado). Aquele que não tem noção e responsabilidade pela sua própria mente, não tem noção de si mesmo e, por conseguinte, viverá de maneira idiota pois estará apartado, alienado, de sua própria governança. Quem vive assim sempre escolhe mal e vive sofrimentos desnecessários. 

O problema é que viver de maneira idiota na vida faz com que paguemos caro demais por ela. Não estou me referindo aqui ao aspecto financeiro, mas aos aspectos que deixam a vida custosa, ou seja, sofrida ou pesada. Há pessoas que entram em relacionamentos que trazem muita dor e prejuízo, outras sempre estão tropeçando nos mesmos ‘buracos’ e levando tombos feios, há também aquelas que nunca conseguem se realizar e ficam sempre esperando por milagres para resolverem muitos dos seus problemas e conflitos. Todas essas e muitas outras formas de sofrimento vêm do fato de que essas pessoas estão apartadas de si mesmas, ou seja, estão vivendo de maneira idiota.

Quando escrevo idiota não coloco um peso ou julgamento moral nesse termo. Não se trata de um xingamento ou acusação e nem mesmo humilhação, mas de uma constatação que vem da observação de como muitas pessoas vivem de uma maneira que traz inúmeras complicações para sua qualidade de vida. Já dizia a famosa frase inscrita no Oráculo de Delfos ‘Conhece-te a ti mesmo’, pois quem não tem a menor ideia de si também não poderá desenvolver a menor ideia de como pode viver melhor de fato.

Quando não aceitamos a vida, a realidade, acabamos lidando com nossas expectativas e idealizações. Esperamos que a vida seja como a imaginamos e não como ela realmente é. Não ter o menor contato com a realidade faz com que não possamos reconhecer e utilizar as verdadeiras possibilidades que temos em nossas vidas. Há muita gente se envolvendo mais com a alucinações que criam do que aproveitando as chances reais que existem. Queremos que o outro seja assim ou assado, que o trabalho seja de um jeito ou outro, desejamos que a vida funcione de maneira que nos agrade. Todas essas formas de se viver implicam em não assumir a responsabilidade por si mesmo e pelas escolhas que faz, por quais caminhos decide pegar e quais evitar. Em resumo, se coloca longe da própria mente (Estado) que é justamente aquilo que nos orienta como viver de maneira mais inteligente. Está na hora de vivermos menos idiota.

A falta que existe em todos nós

 

                                               James Best/Unsplash

                A condição humana é a da falta. Isso quer dizer que não somos completos e nunca seremos. Sempre nos faltará algo, sempre haverá esse sentimento de vazio e quando isso é sentido geralmente causa um mal-estar e faz com que muitas pessoas procurem meios de ‘tapar’ ou ‘ocultar’ de si próprios o que lhes falta. Podemos ser imensamente ricos em dinheiro, famosos, termos uma família linda digna de capa de revista, várias realizações e tal, mas mesmo assim jamais sentiremos a tão idealizada completude. Podemos até mesmo lançar ônibus espaciais no espaço sideral com objetivos de coloniza-lo, porém continuaremos a ser humanos e isso implica em se deparar com a falta.

              Essa privação da completude é inerente à nossa natureza e traz muita angústia. Esta é o mesmo que dor, mas dor psíquica, ou seja, uma dor que não está localizada em alguma parte do corpo e que possa ser resolvida com medicamentos ou procedimentos cirúrgicos. Não há nada que possamos FAZER em relação a esse sofrimento porque não se trata de efetuar uma ação contra a dor, que como já disse faz parte da nossa essência, porém exige que aprendamos a lidar com a dor por uma perspectiva nova: precisamos aprender a sentir e a suportar a dor de se ser humano.

              Quando muitas pessoas se deparam com essa necessidade de aprender a tolerar o sofrimento ficam tomadas por uma ansiedade muito grande e tentam, de todas as formas, fugir disso. Ocorre, entretanto, que não temos como fugir da condição humana. Até mesmo se tomarmos um foguete e formos para Marte habitar lá, toda a nossa natureza interna vai junto conosco. Não há como escapar de nós mesmos. Já que não há escapatória que nos possibilite deixar a condição humana os mais desesperados encontram meios de se enganar.

              Drogas, bebidas, excesso de comida, de compras ou de sexo são maneiras entre muitas outras de se enganar. Bion, psicanalista inglês, tinha uma frase muito interessante: “as drogas são para aqueles que não toleram esperar”. Sim, as drogas e qualquer outra coisa que seja compulsiva em nossas vidas apresentam um pseudo alívio imediato que enganam, achando que estamos nos preenchendo e, portanto, saindo do sentimento de falta. Só que é um engodo que faz com que a compulsão interfira entre a discriminação entre o que é real e o que é falso na vida. Assim, toda pessoa compulsiva acredita que “cria” a sua própria realidade e que esta independe da realidade externa real que de fato existe. Só que esses comportamentos compulsivos têm pouca duração (afinal não são reais) e acabam sempre demandando mais e mais para sentir-se aliviados do vazio que sentem. São aquelas pessoas que estão constantemente atrás de prazer, um atrás do outro, mas nada satisfaz de fato. 

              Ao não tolerar-se o vazio e a falta a gente procura substitutos falsos que atrapalham desenvolver um mundo interno mais consistente e fortalecido. O resultado é que não crescemos de verdade, mas ficamos dependentes de sempre procurar algo prazeroso lá fora de maneira compulsiva e por isso mesmo desastrada. Podemos até nos colocar em riscos desnecessários e pagar um preço alto demais. Aprender a tolerar a condição humana de falta demanda tempo e paciência para ‘encorparmos’ nosso mundo interno que pode, sim, nos oferecer meios de se viver que sejam mais autênticos e satisfatórios. Quando aprendemos a tolerar o vazio podemos construir algo genuíno que possa realmente nos ajudar e não a nos enganar.