quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Análise do filme A Filha Perdida (2021) - Maternidade e tabu

 


O filme da Netflix A filha perdida (2021) é um daqueles filmes cheios de camadas psicológicas. É profundo e desconcertante, chegando a ser para algumas pessoas até mesmo incômodo. Não é um filme de ação para assistir passivamente, mas algo que tem o potencial para adentrar em nós e nos fazer pensar. Por isso muitas pessoas não gostaram porque pensar é algo que sempre nos demanda e dá trabalho. 

A grande maior parte dos filmes foca apenas na dimensão do entretenimento. Nada de errado com isso, afinal nos entreter também é algo importante nessa vida, mas quando um filme trata de assuntos espinhosos e requer nossas reflexões atinge uma outra dimensão. Vamos dizer uma outra dimensão mais sofisticada. O filme é complicado? O ser humano é complicado? Na verdade, penso que não é por aí, porém o ser humano tem uma sofisticação que se não bem compreendida e trabalhada pode tornar-se apenas complicação.

A filha perdida trata de um assunto considerado tabu na nossa sociedade: a maternidade. Tem-se a ideia, no mundo, de que toda mulher quer ser mãe ou de que a maternidade vem naturalmente na mulher e essas ideias equivocadas não poderiam estar mais longe da verdade. Reduzir a mulher a um amontoado de instintos presta um desserviço e nega a realidade.

De fato, há mulheres que querem ser mães e tiram disso uma realização muito autêntica. Há mulheres que sonham com a maternidade e encontram grande prazer nessa experiência, enquanto outras nem pensavam em ser mães e quando se veem grávidas descobrem um desejo embrionário que as permitem ser mães muito satisfeitas. Contudo, nem todas as mulheres são iguais e há aquelas que simplesmente não querem ser mães. Nada de errado com elas, não precisamos jogar pedras nelas. Moralismo não serve para nada.

No entanto, quando a mulher não quer ser mãe, mas tem filhos isso pode se tornar um problema, pode trazer e formar mágoas para todos os lados envolvidos. Isso não ocorre só com a mulher, é bom dizer, mas com os homens e a paternidade também. O filme que citei acima bate justamente nesse tabu.

A relação da mulher, personagem protagonista do filme, com suas filhas é uma relação conflituosa, cheia de arestas e isso é muito bem representado na relação dela com uma boneca que no momento oportuno ganha destaque na história. Ora essa boneca é escondida no armário, ora é retirada do armário. Ora é jogada no lixo, ora é resgatada, ora é cuidada, ora é maltratada. Todas essas ações e indefinições são reedições da relação da personagem protagonista com sua maternidade. Ela não sabe se ama a maternidade ou se a odeia.

A vida real não é algo tão definido quanto preto e branco, mas transporta toda uma variedade de cores. Aceitar que as coisas não são tão definidas é um bom passo para lidar com a condição humana. Todos vivenciamos conflitos em nossos relacionamentos e não podemos julgar o outro porque ninguém sabe realmente o que o outro está passando. Julgar e condenar a personagem é raso. Vale muito mais a pena ver o filme com um olhar que nos permite vislumbrar toda a nossa complexidade e o quanto as emoções e sentimentos podem nos deixar completamente perdidos. 

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