quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Como você quer o ano novo?



            O ano de 2021 chega perto do fim e o de 2022 aproxima-se do começo. Em si, trata-se apenas de uma mudança artificial criada pelos humanos para mudar o calendário e significar o tempo. Os anos letivos, a organização e planejamento das empresas, as temporadas dos programas de televisão, as eleições, são todos regulados pela passagem dos anos. Na natureza não existe mudanças na folha do calendário, mas o que existe são as estações do ano chegando e indo, mostrando que mais um ciclo termina e começa. Todavia, nossas vidas, do nascimento à morte, são medidas em anos e por isso contamos a nossa idade. O ano mede a duração de tempo que vivemos e quanto ainda podemos viver.
            Entretanto, possuir muitos anos de vida não significa, realmente, que se viveu de fato. Há uma diferença gritante entre viver e acumular idade. Há pessoas que existem há dezenas de anos, mas ainda estão à espera de viver a vida e há outras que não duraram muitos anos, mas que viveram em intensidade e profundidade tudo o que podiam. Alguns se assustam com a idade que têm e se perguntam aonde foram parar todos os anos que já se passaram. Sentem-se roubados, como se a vida tomasse o tempo e o fizesse passar muito depressa. Podemos, porém, pensar que a vida não roubou tempo, mas que ele não foi devidamente aproveitado.
            No fim do ano são muitas as pessoas que se questionam sobre o que conseguiram, sobre o que acumularam e conquistaram. Sobre se arrumaram um namorado ou namorada, se compraram aquela casa espetacular, se adquiriram o último modelo de celular, etc. Nas festas de fim de ano as comparações com os demais familiares e amigos são cruéis. Cada um avaliando como foi o ano do outro e o quanto o outro, aparentemente, se deu melhor. Até a felicidade do outro é quantificada e nos sentimos fracassados quando achamos que alguém foi muito mais feliz que nós.
            São poucas as pessoas, no entanto, que se indagam sobre a qualidade das experiências e relacionamentos que puderam usufruir ao longo do ano. Se a passagem do ano pudesse ser um ponto a partir de onde refletíssemos sobre o que vivemos de fato, as festas de fim de ano seriam muito agradáveis e não tão cheias de dissabores e dores. Quando a gente pode olhar com gratidão para o que viveu ficamos abertos ao que ainda podemos viver, ao que o desconhecido ainda pode trazer e nos surpreender. Agora, se medimos a mudança no calendário baseado no que acumulamos, ficamos apenas atentos ao que não temos, ao que nos falta, e isso empobrece a vida.
            Escolher como vamos viver a passagem de mais um ano é fundamental. Mas escolher requer consciência. Quem escolhe mal é porque está inconsciente dos valores da vida. Coloca os valores em lugares equivocados e espera encontrar neles o que eles não podem jamais oferecer. Assim muita gente vive, ou melhor, sobrevive. Sobreviver não é o mesmo que viver e confundir um com o outro é reduzir muito as possibilidades que temos.
            Obviamente que há adversidades nessa vida, dores que nos machucam severamente, mas mesmo com todos esses percalços, o que ainda podemos desfrutar? O que podemos viver? Afinal, quem disse que a vida só vale a pena se não houver dificuldade e sofrimento nela? Como se isso fosse possível!
            Que o ano que se aproxima venha a ser usado para criarmos uma consciência de como melhor viver, de como sermos mais eficientes em nossos acordos ao longo da vida. Sempre teremos que fazer acordos com nossas dores, angústias e adversidades que impedem de melhor apreciarmos a vida, mas a forma que fazemos esses acordos pode fazer com que paguemos muito alto ou um preço justo. Que a melhor resolução para 2022 seja vivermos verdadeiramente melhor.
Um feliz ano novo!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

A verdadeira estrela vive em nós



            Segundo a tradição cristã, a estrela de Belém surgiu nos céus para anunciar ao mundo o nascimento de Jesus. Os Reis Magos a tomaram como guia para indicar-lhes o caminho para chegar até o recém-nascido e sem a estrela eles não teriam conseguido encontrá-lo. Nos tempos após Cristo, a religião nova que se formava não se chamava Cristã, recebendo este nome apenas séculos mais tarde. Naquele momento chamava-se O Caminho. Um nome, aliás, muito mais interessante, pois muito mais significativo. Chamava-se assim pois se propunha a dar uma outra interpretação aos preceitos religiosos judaicos da época, que estavam “contaminados” pela corrupção e pelo mau uso. Então, segundo a tradição, a estrela indicou o caminho até aquele que iria mostrar “O caminho”.
            Pensando sobre essa tradição podemos aprender coisas importantes para refletirmos em nossas vidas. Que se queremos chegar a algum lugar é preciso trilhar o caminho, mas aqui o caminho não se trata de seguir esta ou aquela norma religiosa, mas de construir um caminho pessoal para se viver de fato. Quem não está de bem com a vida é porque se encontra “perdido”, está fazendo mau uso de si mesmo e se encontra “corrompido”, ou seja, não sabe mais como chegar ao seu mundo interno para poder fazer bom uso dele. Sem um mundo interno a vida perde a graça e não tem sentido. Precisa-se, então, encontrar ou reencontrar esse caminho que leve alguém a andar na trilha, que permita viver de um jeito mais favorável.
            Para se achar o caminho uma estrela guia se faz necessária e essa estrela pode ser encontrada dentro de nós mesmos. É aquele lado saudável que existe dentro de nós e que nos dá esperanças de melhorarmos tudo aquilo que não nos está bom. É aquela “luz” interna que nos faz sentir vivos e batalharmos por uma vida mais digna. Na tradição, os Reis Magos foram os únicos que conseguiram seguir o caminho indicado pela estrela. Eles eram considerados grandes sábios do mundo oriental, porém, podemos entendê-los como sábios porque foram capazes de enxergar a própria estrela interna que jamais os deixaria perdidos.
Aqueles que têm acesso ao seu próprio mundo interno jamais se encontrarão perdidos, pois se conhecem e sabem dos seus caminhos. O autoconhecimento é uma das maiores riquezas na vida. Pena que seja tão pouco valorizado e muitas vezes até desprezado. Esse menosprezo acontece porque o autoconhecimento não vem fácil e nem é comprado no mercado, mas exige uma vida de prática para que ele venha a ser conquistado e faça parte da forma que funcionamos. O autoconhecimento demanda que trilhemos o nosso caminho.
        O fim de ano se aproxima e esse momento é sempre usado como um período de reflexão, de um balanço do ano que se vai e das expectativas para o ano que se aproxima. É um bom momento para que cada um encontre a sua estrela interna, que lhe mostre o seu caminho. Uma boa oportunidade para cada um ousar achar seu caminho e não mais ficar perdido. Tomar consciência da maneira como vem vivendo e transformar aquilo que não traz nenhum crescimento em algo que seja enriquecedor. Essa estrela é simbólica e existe em cada um de nós. Que possamos abrir os olhos para ver o que realmente vale a pena e abandonar aqueles caminhos que não levam a lugar algum. Que todos se iluminem internamente e descubram em si próprios uma vida que precisa ser vivida.

        Aproveito este espaço para agradecer a todos os leitores e desejar um bom fim de ano. Desejo, acima de tudo, que cada um encontre e deixe brilhar a sua estrela interna e que ela aponte sempre o melhor caminho para cada um seguir sua vida.
        
        Feliz Natal!

Foto: Jonathan Borba/Unsplash

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Será que sabemos festejar e celebrar?



        Ano novo chegando e depois de tantas privações a que tivemos que nos submeter por causa da pandemia nesses quase dois anos, o que as pessoas mais querem é celebrar. Celebrar, festejar, estar perto dos outros é realmente algo muito bom e necessário. Precisamos da proximidade com quem amamos e necessitamos formar vínculos de qualidade para manter a saúde mental. O ano novo também é uma celebração que traz o sentimento de esperança e faz com que muitas pessoas renovem planos e ideias do que querem para suas vidas. Porém, nem tudo são flores nesta data, porque o réveillon carrega um alto número de acidentes, muitos chegando a ser fatais, que poderiam ser evitados.
        Tanto o Ano Novo quanto o Carnaval batem recordes de acidentes, segundo várias fontes de estatísticas, e a explicação para esses acidentes dos mais diversos tipos é que muita gente abusa do álcool. As pessoas bebem demais e, por isso mesmo, não conseguem se preservar apropriadamente e se colocam, bem como colocam os outros, em situações de risco. A questão que fica é: por que será que nessas festas há um abuso do álcool?
        Enquanto o Natal acaba sendo uma festa mais dentro da família, o Ano Novo e o Carnaval são celebrações que muitos passam com amigos e não com parentes. Parece que se tem a obrigação de festejar imensamente, de curtir adoidado, de sentir um prazer desmedido. Como se todas as frustrações que aconteceram ao longo do ano (e muitas delas aconteceram dentro do círculo familiar) tivessem que ser compensadas. Infelizmente, para muitas pessoas festejar tornou-se algo como a busca por um gozo espetacular.
            A alegria e o entusiasmo que sentimos em uma celebração vem de dentro e não de fora. No entanto, isso é facilmente esquecido e procura-se lá fora toda a animação. Procura-se externamente algo que venha a fornecer gozo e contentamento, e acredita-se que algo externo, como a bebida, por exemplo, possa fornecer todo esse encanto. Outros buscam nas drogas ilícitas, outros no sexo compulsivo, outros no consumo excessivo, etc. Estamos pobres, na verdade, em saber como celebrar a vida, em como realmente tirar proveito dela.
        Quando precisamos beber até cair é porque alguma coisa anda muito mal. Não é moralismo, é apenas uma constatação até um pouco óbvia. O fato é que quando precisamos fazer mal a nós mesmos, à nossa saúde e às nossas pessoas queridas e justificar que isso é "aproveitar a vida", algo muito equivocado está acontecendo. Celebrar é o mesmo que exaltar, mas quando celebramos de maneira que fazemos mal a nós mesmos estamos exaltando o quê? A vida é que não é!
        Uma verdade que precisa ser dita: só sabe celebrar e festejar de fato quem tem o mínimo de respeito para consigo próprio e quem tem um pouco de saúde mental. Se uma pessoa não se respeita ela não sabe também como festejar, como celebrar. Se alguém não se respeita não tem como haver o menor autocuidado. E vemos muita gente que não está sabendo cuidar de si mesma.
     Se momentos de celebrações terminam em tragédias por causa de condutas irresponsáveis é um sinal de alerta para verificarmos se estamos sabendo mesmo aproveitar a vida ou se estamos simplesmente matando a vida. Celebração não combina e nem é sinônimo de matança. Isso é confundir coisas que não podem ser confundidas.

Photo by Kelsey Chance on Unsplash

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

É possível fugir da condição humana?

       

        Vivemos um tempo que nos traz algumas dificuldades. Fica contraditório o que somos obrigados a encarar. Atualmente há toda uma série de tecnologias criadas que facilitam nossa vida de uma maneira que nunca ocorreu antes na história. Comunicação com quem quer que seja, em qualquer lugar do mundo, de forma imediata; confortos inimagináveis até para reis de outras eras estão disponíveis para muita gente; facilidades de muitos tipos estão ao nosso alcance. Isso tudo parece que trouxe uma ideia de que sofrer não tem mais lugar nesse mundo. Sofrer ficou out, fora de moda e é só para os fracassados. Nossa cultura hoje não aceita o sofrimento.
          Obviamente não devemos de forma alguma cultivar o sofrimento, porém há uma diferença entre cultivar o sofrimento de forma, vamos dizer, masoquista e sofrer porque isso faz parte da condição humana. Por maiores que sejam nossos confortos e facilidades hoje em dia, o sofrimento mental, principalmente, é parte da nossa condição.
          O sofrimento psíquico se dá quando percebemos a nossa condição humana. Não somos perfeitos, temos limites, não podemos tudo, não somos completos. Desejamos e muitos desejos nunca poderão ser satisfeitos. Amamos, mas podemos perder quem amamos, seja por morte ou por abandono. As coisas não são fixas. Filhos podem ir embora, relacionamentos podem ser desfeitos, decepções podem ocorrer. Enfim, a condição humana é lidar com o sofrimento em vários momentos.
          Só que controlamos tanta coisa tecnologicamente que fica uma sensação estranha quando não controlamos a subjetividade. Achamos que quando sofremos psiquicamente algo está errado e estamos fracassando em cheio. Como se pudéssemos passar pela vida sem nos darmos conta da nossa própria subjetividade. Sofrer, também, além de gerar uma sensação de desamparo gera um sentimento de solidão. E hoje achamos que não podemos estar a sós conosco, mas carregamos uma obrigação de estar sempre dentro da festa.
          Não muito tempo atrás o mandamento a que seguíamos era: Não gozarás! Agora, a obrigação é: Gozarás! Acreditamos que precisamos sentir prazer a todo instante, sem jamais sermos incomodados, sem nunca se depararmos com qualquer sentimento que não for o de curtir. Estamos, simbolicamente, vivendo numa rave descontrolada e desvairada.
          Não é à toa que nunca se consumiu tantas drogas quanto hoje. As drogas sempre estiveram presentes na história humana, mas agora saiu do controle. Tanto as drogas lícitas quanto as ilícitas. Bebe-se demais, além da conta. Droga-se demais, como nunca se drogou antes. Não vamos esquecer também das drogas médicas quando usadas de maneira inadequada. Drogar-se é uma maneira de não encarar a própria subjetividade, de não lidar com as dores que se sente.
          Primeiro a droga surge como um objeto de prazer, mas rapidamente torna-se um objeto de necessidade. Precisamos dela para não olhar para dentro de nós e responder a questões difíceis. Essas questões são: Quem somos nós? O que queremos e podemos? Essas perguntas incomodam e quando não temos a menor tolerância à frustração sentimos a necessidade de fugir delas. Daí as drogas se tornam uma necessidade e um imperativo. Não só as drogas, mas qualquer coisa que usamos e com as quais atuamos compulsivamente estão nesse mesmo funcionamento.
          Não sabemos sofrer e enquanto não aprendermos a sofrer dignamente sempre vamos buscar fugir de nossa condição humana, ou seja, não seremos verdadeiramente humanos.