quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Ele foi sábio


        ​Nelson Mandela, que foi presidente da África do Sul, foi também um homem muito sábio. Sabedoria não se trata do quanto uma pessoa carrega intelectualmente, do quão bem informada ela é, mas tem uma natureza bem distinta. Sabedoria implica em saber viver, em ter jogo de cintura, como se diz popularmente. Ser sábio implica em saber escolher como responder à vida de maneira eficiente. O sábio sabe viver. 
        ​Por isso afirmei que sabedoria nada tem a ver com o intelecto de uma pessoa. Há muitas pessoas com grandes mentes intelectuais, que são extremamente bem informadas e cheias de habilidades, as mais diversas, mas mesmo assim podem não saber viver de maneira competente. A vida para quem não é sábio é sempre custosa e pesada. A sabedoria de como viver bem é um outro tipo de inteligência e não são todos os que a desenvolvem. 
        ​Podemos ser inteligentes racionalmente, mas mesmo assim tropeçar em como conduzimos a vida. Há muita gente que paga um preço alto demais pelas escolhas que faz ao longo da vida e sofre muito com isso. Quando não aprendemos a ser sábios sempre fazemos más escolhas. Por exemplo, Nelson Mandela fez uma escolha muito sábia quando saiu da prisão, após 27 anos de encarceramento. E, diga-se de passagem, uma prisão injusta. Ele afirmou: “Quando saí em direção ao portão que me levaria à liberdade, eu sabia que, se eu não deixasse minha amargura e meu ódio para trás, eu ainda estaria na prisão”.
        ​Qualquer pessoa depois de 27 anos presa injustamente e sendo tratada de forma tão indigna teria muitos motivos para desacreditar de qualquer coisa boa, para ter desistido de qualquer esperança e desejar vingança a qualquer custo. Seria até compreensível tal atitude. No entanto, não seria sábio porque a pessoa estaria livre lá fora, mas por dentro, aprisionada a sentimentos muito fortes e esmagadores. Uma pessoa dominada pelo ódio e sentimento de vingança não é de fato uma pessoa verdadeiramente livre.
        ​Quando não somos sábios escolhemos as vezes os piores sentimentos como companheiros. Nos agarramos ao que sentimos sem ao menos prestar atenção se aquilo nos faz bem. Quem não é sábio escolhe mal, se agarra a qualquer coisa e paga muito caro por isso. Porém, quem é mais sábio sabe que algumas coisas, mesmo que fortes e tão massacrantes, precisam ser deixadas para trás para que a vida possa continuar em frente. Para esse tipo de atitude requer-se muita sabedoria.
        ​Quantas vezes na vida a gente não fica identificado com as piores emoções que nos acometem? Tão identificados ficamos que não nos reconhecemos de outra maneira mais apropriada. Buscamos vingança, dar o troco e muitos outros tipos de conduta que na verdade apenas mostram o quão preso estamos. Abrir mão do prazer do ódio é só para os sábios, pois quem não é atola-se nesse pântano tão prazeroso (porque vingar-se é prazeroso), mas tão destruidor.
        ​Nem todo prazer é bom. Há prazeres danosos que só trazem prejuízos. O sábio escolhe que tipo de prazer vale a pena. Ele não se deixa enganar facilmente e, por isso mesmo, não pisa em qualquer terreno para depois afundar. O que será que cada um de vocês pode aprender a deixar para trás para seguir em frente?

Foto: Wikipedia

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Ser homem e ser mulher

                

        O ator e diretor Clint Eastwood tem 91 anos e uma vida profissional considerável. No início de sua carreira se notabilizou por papeis de homem durão, viril, que enfrentava todos os perigos com insolência e até inconsequência. Interpretava o papel do “macho” clássico que não tem medo e que ajudava a criar estereótipos do que era um homem de verdade. Muita gente, homens e mulheres, esperava isso de qualquer pessoa do sexo masculino: que representasse o estereótipo tradicional do homem com “H”. 
     Agora, após muito tempo de vida e uma capacidade de se transformar com as experiências, Clint Eastwood está bem diferente. Nos seus últimos filmes, dirigidos e atuados por ele, o papel de homem não é aquele do estereótipo, mas bem mais interessante. Os homens retratados agora são aqueles que aprendem a se posicionar no mundo e que aprendem, sobretudo, a se relacionar com os outros, principalmente com as mulheres, de forma mais humana. H de homem agora virou H de humano.
        Infelizmente, não são muitas as pessoas que sabem o que é ser homem. Muitos acreditam que seja desempenhar o papel do “macho” tradicional muito poderoso e até mesmo insensível. Estamos vendo uma mudança onde o homem está descobrindo o que é de fato vir a ser um homem. Em seus últimos filmes como Cry Macho (2021), Gran Torino (2008), Invictus (2009), os papeis masculinos não são mais sobre aqueles homens que tudo explodem sem medir as consequências, mas são os de homens que perdidos numa sociedade em que não cabe mais o típico e tradicional machão, aprendem a se relacionar consigo e com o mundo em que vivem de uma maneira muito mais saudável e enriquecedora. Eles aprendem a ser homens. E as mulheres nesses últimos filmes já não são mais os objetos estúpidos e desejados apenas, mas são uma força que ajudam muitos homens a serem homens. 
        Ser homem não é seguir um padrão estereotipado que dita regras e deveres. A cartilha de antigamente de como era ser um homem, hoje já não cabe mais. É necessário não uma cartilha nova, mas um espaço onde homens e mulheres possam realmente se entender e se construir. Onde um é importante para o outro. Homens e mulheres, em sua maior parte, encontram-se perdidos procurando um lugar no mundo. Não só os homens ficavam presos nos papeis definidos, mas as mulheres também. O principal a entender, todavia, é que não há o jeito certo de vir a ser homem ou mulher, até porque não existe o homem e a mulher, mas existem os homens e as mulheres. É plural e não singular. Há muitas formas e maneiras de ser homem e ser mulher, porém todas requerem um compromisso com o respeito e a responsabilidade para consigo e para com os outros. Sem isso não haverá humanos de fato, mas só estereótipos.
        O que mais falta nesse mundo é humanidade. Ser verdadeiramente humano não vem com o nascimento, vem somente através de um processo de humanização. Nascemos animais bestiais que podem se tornar humanos. Ser homem e mulher é algo que vem somente através de um processo de aprendizagem e mudanças. Caso isso não ocorra seremos apenas machos e fêmeas, sem ampliar a potencialidade inerente que carregamos de nos tornar humanos. Clint Eastwood, pelos seus filmes, parece ter aprendido como se tornar um homem de verdade.

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Quando queremos cair no golpe



          A história de João de Deus, por alguns reconhecido como médium, deixa muita gente intrigada para entender como ele conseguiu enganar e manipular tantas pessoas sendo muitas delas até mesmo inteligentes. Como se sabe, João de Deus abusou de várias mulheres enquanto fingia estar oferecendo um “tratamento” espiritual. Muitas mulheres abusadas até acreditavam que os abusos eram partes do tratamento e, por isso, se submetiam ao sadismo do dito médium. Entretanto, outras mulheres resolveram romper com a loucura a que foram sujeitas e o denunciaram causando todo um alvoroço policial e jurídico. A pergunta que fica é: como um homem desse conseguiu manter abusos por tanto tempo antes disso ser percebido de fato?
          Há uma expressão que diz “O golpe tá aí, cai quem quer...”. Há vários golpes mundo afora e muito deles são bastante simplórios, mas eficientes porque há muitas pessoas que querem acreditar que as promessas dos golpes sejam reais. Esse é o grande e maior problema: quando há gente que quer cair nos golpes. Claro que ninguém quer cair conscientemente, mas se comporta de maneira que abre todas as possibilidades para cair em golpes manjados.
          Quando alguém quer cair num golpe não há o que se fazer, a não ser que a pessoa uma hora resolva abrir os olhos. Quando algumas mulheres que sofreram abusos do médium viram o que estava se passando de fato elas mudaram e não mais aceitaram o golpe. Só quando nos permitimos ver é que não caímos mais no golpe. Qual era o golpe de João de Deus? Ele as enganava se dizendo muito poderoso e curava muitos males, o que só funcionava porque existiam e existem pessoas que querem, desesperadamente, acreditar numa figura todo poderosa que resolva a vida delas.
          Obviamente havia pessoas muito vulneráveis, desenganadas pela medicina tradicional ou tomadas por uma carga de angústia muito intensa que as deixavam enfraquecidas e, por isso mesmo, submetidas a alguma promessa de milagre. Quando queremos que alguém nos realize um milagre nos colocamos numa posição de dependência e submissão nas mãos de muita gente má intencionada, que alega ter tal poder. Todo golpe se inicia com uma promessa, uma falsa promessa, e se alguém quer acreditar que a falsa promessa é real fica então sujeito ao engano.
          Ao nos enganar nós fechamos os olhos para a realidade e cortamos fora tudo aquilo que contradiga o que queremos. Isso acontece com mais frequência do que imaginamos. Sabe aquelas pessoas que repetidamente caem no engodo de seus parceiros, amigos e conhecidos e parece que nunca aprendem? Caem porque não querem ver a realidade.
          Don Juan, médiuns milagrosos, parceiros idealizados, negócios perfeitos, não existem. Só caímos nesses golpes porque queremos acreditar que existam. Queremos que alguém fora de nós mesmos nos ofereça uma vida cheia de promessas irreais. Quando acordamos, quando abrimos os olhos, não temos mais como negar a realidade. Não dá para negar o que está na nossa frente. É o fim da ilusão, mas isso é bom, pois pode nos dar a chance de lidar com a realidade de fato.

Photo by Mahdi Bafande on Unsplash

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Repetição é um fardo



           Estamos todos sujeitos à repetição. Se não nos tornamos conscientes de nós mesmos vamos nos repetir indefinidamente. Podemos cair sempre nos mesmos equívocos vezes seguidas, ter os mesmos comportamentos que levam sempre aos mesmos resultados. Isso é nitidamente visto quando alguém parece que “não sai do lugar”. Está sempre repetindo a mesma história, o mesmo drama e nunca sai do mesmo sofrimento. Para algumas pessoas a vida é sempre uma contínua repetição.
          Parar de se repetir implica em mudar como se vive, em se responsabilizar por tomar um caminho diferente. Se sempre pegamos as mesmas rotas só vamos mesmo cair nos mesmos destinos. Apenas ao mudar o caminho temos a chance de chegar a um destino novo. Isso é óbvio, mas é justamente do óbvio que mais temos dificuldades de nos aproximar e lidar.
          Quem está constantemente se repetindo espera muitas vezes por mudanças, mas não entende e não aceita que a mudança só pode ser a sua própria, acredita que a mudança deve estar no mundo externo. Quer, então, que o outro mude, que o mundo mude, mas nunca a si mesmo. Claro que não tem como encontrar realização desse jeito. Não adianta querer que o mundo lá fora mude. Ninguém tem poder para tanto. Temos, contudo, chances de mudarmos a nós mesmos aprendendo a nos relacionar com o mundo de forma diferente.
          É frequente ouvir pessoas reclamando de outras e afirmando que seus problemas vêm todos do que as outras pessoas fazem ou deixam de fazer. Ou reclamam do mundo como se este fosse o inimigo. Essas pessoas esperam e exigem que o mundo lhes seja mais favorável, que ele seja o mais conveniente possível, sem que delas mesmas não seja exigido nada. Viver assim é uma excelente maneira de ser infeliz.
        Existe na Língua Portuguesa vários ditados que dizem coisas como: “andar em círculos”, “correr atrás do próprio rabo”, “chover no molhado”, “trocar seis por meia dúzia”... O que eles têm em comum é demonstrarem que a repetição é algo que nunca faz sair do lugar, nunca pode trazer mudanças ou transformações. A repetição é sempre sinal de ignorância.
       A ignorância é cegueira, se recusar a ver. Não há como ninguém ser verdadeiramente satisfeito se repetindo na ignorância. Há um pensamento de Heloá Marques que é bem interessante: “O pior cego é aquele que não quer ver, ouvir, nem acreditar. O pior cego, é aquele se faz de surdo. Aliás o pior cego não é cego, é burro!”
        Não vale a pena viver a vida na “burrice”. Todo mundo tem o direito de viver como quer, mas quando nos damos conta do quanto a ignorância é cara, do quanto ela cobra um preço alto, podemos buscar viver a vida pagando um preço mais justo. O preço que pagamos forma nossa qualidade de vida. Quanto mais alto o preço, menor a qualidade de vida, maiores os erros e sofrimentos. Por outro lado, quando aprendemos a pagar um preço mais justo menores serão os erros e maiores as oportunidades que teremos para viver.
       Podemos escolher como vamos viver. Repetir-se não precisa ser um destino imutável. Nós escolhemos se vamos sempre andar em círculos ou se vamos ousar pegar caminhos novos.