segunda-feira, 3 de maio de 2021

Não dá para ser nômade de si mesmo



    No filme Nomadland, vencedor do Oscar deste ano, vemos a história de uma mulher em seus sessentas anos que, após o colapso econômico da cidade em que vivia - e também por causa de uma dor pessoal - passa a viver numa van e na estrada, levando um tipo de vida nada convencional, como uma nômade. Muitas outras pessoas vivem como ela e todos são marginalizados, revelando as dificuldades que enfrentam por seu estilo de vida peculiar. Há duas maneiras de se entender a história dessa personagem do filme. Uma é vê-la como alguém que é colocada à margem da sociedade pelas falhas dos sistemas econômicos e sociais. Uma segunda maneira é pela ótica do desespero de alguém que não consegue residir dentro de si, mas pode apenas viver fora, de um lugar ao outro, sem nunca poder parar em um algum local.
    ​Não vou falar aqui do quanto há toda uma falta de amparo socioeconômico a essas pessoas, até mesmo naquelas sociedades consideradas desenvolvidas. Sim, há muitas falhas que acabam criando situações muito dolorosas e pessoas que acabam sucumbindo em muitas adversidades injustas. Porém, vou me deter no aspecto do psiquismo da personagem, que reflete também como muitas pessoas mundo afora vivem como nômades de si próprias.
    O problema não é viver de forma nômade. Aliás, muitos povos têm esse costume e faz parte de suas culturas. A questão passa a ser um problema quando internamente vivemos de forma nômade, sem uma casa interna. Porque no mundo lá fora podemos morar em vários lugares e sair de um ponto para ir a outro, contudo não temos como sair de nós mesmos, não temos como nos deixar para trás.
    A gente pode até ir morar na Estação Orbital Internacional, ou seja, sair do planeta, mas não temos como deixar a nós mesmos. Nossa mente e tudo o que sentimos e somos vai conosco. Não há lugar onde podemos nos esconder de nós mesmos. Só que muitas pessoas tentam viver assim, tentando fugir de si próprios. Isso só leva a um desespero sem fim.
    No filme a personagem vivia muitas situações, mas um olhar mais detalhado mostra que as situações ficavam todas fora dela. Parece que ela só podia sentir fora, tudo aquilo que se passava ao seu redor, mas o que ela sentia dentro parecia ser de uma dor tão atroz que ela não suportava. Quanto mais a dor interna estava perto de irromper mais necessidade ela sentia de ir para outro lugar. Assim, a “mudança” externa se sobrepunha ao que ela sentia por dentro. Talvez ela não fosse verdadeiramente nômade, mas estava sempre em fuga.
    Quem vive em fuga nunca tem descanso e precisa constantemente de “distrações” externas para não ter que se deparar com o que sente internamente. Quanto mais olhamos para fora maior o desespero que carregamos. Viver sem lar é aterrador, mas precisamos entender que o lar não é uma coisa fora, concreta, mas um espaço interno que nos permite sempre o acolhimento. Não dá para viver nômade de si mesmo.

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