Um antigo provérbio chinês diz uma verdade para refletirmos: “Todos os dias arrumamos os cabelos, por que não o coração?” Aquilo que está fora, no mundo concreto, é fácil de ver e avaliar. Conseguimos, com muita facilidade e rapidez, mensurar o quanto estamos bem em nossa imagem. Seja nossa imagem física, nossa imagem social ou profissional. Estamos constantemente arrumando e ajeitando essas imagens e passamos a impressão de que sem elas não seríamos ninguém.
Confiamos muito nas imagens. Cuidamos com muito mais afinco do que aparentamos ou queremos aparentar ser do que realmente somos. Como já diz um ditado antigo “Por fora bela viola, por dentro, pão bolorento”. Entre aquilo que somos por dentro e aquilo que aparentamos externamente pode existir um abismo. Há muita valorização em cuidar daquilo que vemos e pouca valorização em cuidar daquilo que está invisível aos olhos, mas que molda quem somos. A questão, então, não é parar de cuidar de um e passar a cuidar do outro apenas, mas refletir sobre como vivemos, como nos relacionamos com o mundo e, principalmente, conosco mesmos.
Falar isso parece uma coisa tão óbvia que até vira clichê, porém as coisas mais óbvias são as mais difíceis. Sabemos muito sobre o que precisamos na vida, mas pouco vivemos realmente esse conhecimento. Esse parece ser um dos maiores entraves das pessoas: saber fica numa dimensão mais superficial, é algo que podemos TER. Já viver é algo que fica numa dimensão mais integral da vida, se trata do SER.
Ter conhecimento é algo que alimenta o ego, por assim dizer. É algo que enche a pessoa e que pode ser exibido. É inegável a quantidade de pessoas que tem bons conselhos e pensamentos inteligentes. Ter o conhecimento do bom senso é algo que a maioria das pessoas possui, mas mesmo assim encontramos tanta gente infeliz e miserável, tropeçando nos mesmos repetidos equívocos e se sentindo vítimas da vida. Essas mesmas pessoas estão repletas de pensamentos virtuosos e belos e os proclamam com gosto. Aparentemente, são todas muito sábias e iluminadas, mas essa imagem não sobrevive a um olhar mais atento e aprofundado. Elas estão bem “arrumadas” por fora, mas em seus íntimos estão bem desajustadas. Como aquele produto que é muito ruim, mas vem dentro uma embalagem muito bela e sedutora. Quem já não comprou algo assim?
A publicidade sabe muito bem disso e vem se valendo do quanto valorizamos mais a aparência do que o conteúdo. A má publicidade, claro, sabe seduzir o consumidor. Atrai com uma imagem, mas esta não se sustenta por muito tempo. A verdade é que valorizamos mais a sedução do que a verdade. Os cabelos são muito sedutores, podem ser vistos facilmente e podem ser manipulados de forma a enganar. Todavia, o coração que aqui mencionamos do provérbio chinês é o que está dentro, o subjetivo, e que sustenta de fato uma pessoa e a maneira como ela vai se ligar ao mundo e aos outros.
Quando não mais nos enganarmos, quando não mais sermos movidos pela sedução pura e simples, poderemos cuidar dos cabelos tanto quanto cuidamos do coração. Aí sim, seremos verdadeiramente pessoas inteiras.
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