Em frente ao supermercado que costumo frequentar sempre há algumas pessoas que aproveitam o grande fluxo de gente andando a pé para vender poesias, revistas e até pedir dinheiro. Desde o fim do ano passado tenho notado algumas pessoas que ficam no local “oferecendo” orações aos transeuntes e, agora, surgiram também crianças que, monitoradas por adultos (se é que podem ser chamadas de adultos de verdade), oferecem orações à pessoas. Uma menina, acho que nos seus 10 anos, toda sorridente, me abordou e perguntou “Posso fazer uma oração para você?”. Me surpreendi que agora até crianças estejam sendo requisitadas para esse propósito. Propósito perverso, diga-se de passagem.
Fui andando, após a abordagem da menina, pensando no que tinha acabado de ver. Uma criança, geralmente, angaria mais simpatia e boa vontade dos outros, então, quando uma criança pede algo muitas pessoas não sabem negar ou ficam com pena de negar. Contudo, qual a diferença entre essa criança que estava distribuindo orações na rua e aquelas que ficam nos semáforos das cidades pedindo dinheiro ou vendendo balas com os pais ali ao fundo? Na verdade, nenhuma. Trata-se de abuso. Usa-se a criança para algum objetivo. A criança, torna-se, então, um objeto nas mãos dos adultos que deveria, em teoria, cuidar do bem-estar dela.
Porém, muitos vão dizer que a criança que oferecia orações estava sendo bem criada e cuidada e que tinha até noções de espiritualidade. Será mesmo que alguém acredita nisso? Só se for muito ignorante e quiser manter os olhos bem fechados. Outros vão dizer que a menina, ao contrário das crianças de rua, estava sorrindo e, portanto, feliz. Mais uma vez pergunto: será mesmo?
O que uma criança mais quer é receber atenção dos adultos. Ela quer que olhem para ela. Se ela percebe que seus pais, por exemplo, acham bonito
ela virar uma mini pastora ela vai entrar nesse personagem. Vai sorrir amplamente e, com isso, obter a aprovação dos adultos e, principalmente,
dos pais. No entanto, isso tudo é bastante perverso, pois convida a criança a entrar num personagem. A criança acaba se confundindo e acredita que o que mais precisa é ser um personagem, um outro alguém para ser amada e querida. O resultado é criar uma “personalidade” falsa, afastada de si própria.
Quanto mais máscaras usamos ao longo da vida mais insatisfação vamos encontrando. Só podemos nos realizar sendo nós mesmos, com todos os nossos potenciais e limitações, mas quando nos ocupamos de fazer o que os outros desejam para nós, o que os outros “aprovam e gratificam” mais dependentes vamos nos tornando. O pai dessa menina que oferecia orações estava lá observando a cena com um sorriso orgulhoso, mas não se dava conta do quão ruim tudo isso pode ser.
Uma pena que essa distorção nas relações com as crianças aconteça em tantos lares. Às vezes não é nem fazer o filho/a fazer orações, mas meio que obrigá-los a seguir esse ou aquele caminho específico para o desejo dos pais e não em prol do verdadeiro bem-estar dos filhos. A criança/objeto torna-se, futuramente, um adulto incapaz de lidar com a vida de maneira mais digna e, provavelmente, será alguém que sofrerá além da conta. Lastimável.
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