segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Análise de filme - O Homem Duplicado


            O filme canadense O Homem Duplicado (Enemy) baseado no livro homônimo do escritor português José Saramago nos leva magistralmente a uma dimensão inquietante do psiquismo. Bem real à inquietação do romance, claro que com algumas diferenças que seriam impossíveis transportar do que é escrito para o cinema, o filme não é leve e causa em quem o assiste uma densa aura de incômodo, quando não até mesmo, irritação. O diretor teve muito sucesso em nos transportar para o labirinto que é a mente do personagem protagonista.
            O filme conta a estória de um, aparentemente, sem graça professor de história. Sua vida não parece ter nada demais e chega a ser medíocre. Entretanto, ao assistir a um filme vê um ator de figuração que é idêntico a si mesmo. Ele passa a ficar obcecado por este ator e entra em contato com ele e com sua esposa. Quer saber mais e entender como podem ser tão similares e vai percebendo que apesar da semelhança física eles são totalmente diferentes. Em princípio acredita até que possam ser gêmeos separados. E é aí que o filme se complica e abre espaço para variadas interpretações.
            O filme não é claro, ou seja, não é linear como um filme que deixa tudo esclarecido e sem margens para erros de compreensão. Até mesmo a sua fotografia demonstra certa escuridão e pouca visibilidade das cores em tons mais reais. Sua trilha sonora é também soturna trazendo mais obscuridade. Ao assistirmos ao filme não sabemos mais o que está realmente acontecendo, ficamos marcados por dúvidas e zonas de confusão. É justamente aí que o diretor quis que ficássemos, bem como o escritor. Não nos é dado a certeza confortadora, mas a incerteza dolorosa e incômoda.
            O personagem, apesar de inúmeras outras interpretações, pode ser entendido como um psicótico. Alguém que sofre de psicose é como uma pessoa que sofreu uma fratura psíquica. Seu mundo interno fica completamente confuso e há momentos onde não se é mais possível perceber claramente do que se trata de realidade e do que é fantasia. O psicótico sofre por não mais conseguir saber se o que está acontecendo ao seu redor e com ele é real ou pura alucinação. O estado psicótico é altamente doloroso porque ficarmos em frequente confusão é enlouquecedor. O protagonista da estória está nesse lugar e fica desesperado tentando encontrar algum sentido e buscando enlouquecidamente uma compreensão.
            Na psicose a fronteira entre o real e a alucinação não fica bem estabelecida e o perigo reside em encarar como real aquilo que está apenas no terreno da fantasia. As chances, quando isso acontece, das coisas acabarem numa tragédia, são muito altas. O psicótico nota em si algo que não consegue compreender e sofre por vivenciar realmente e não simbolicamente a sua confusão. Quem nunca vivenciou experiências assim ou nunca teve a chance de estar próximo de alguém sofrendo de psicose não faz ideia de como esse estado é de um total desamparo e angústia. Tanto o livro quanto o filme conseguem nos fazer adentrar nesse estado e nos fazer sentir como é ficar em uma confusão sem fim e cada vez mais complicada. O sentimento é de que estamos desamparados, o que nos causa certo desagrado e desprazer. Para quem quer entender o que é uma psicose e o que ela nos faz é só se disponibilizar a ler este livro ou a ver este filme. Certamente é uma experiência interessante.

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