O filme canadense O Homem Duplicado (Enemy) baseado no
livro homônimo do escritor português José Saramago nos leva magistralmente a
uma dimensão inquietante do psiquismo. Bem real à inquietação do romance, claro que com
algumas diferenças que seriam impossíveis transportar do que é escrito para o
cinema, o filme não é leve e causa em quem o assiste uma densa aura de
incômodo, quando não até mesmo, irritação. O diretor teve muito sucesso em nos
transportar para o labirinto que é a mente do personagem protagonista.
O filme conta a estória de um,
aparentemente, sem graça professor de história. Sua vida não parece ter nada
demais e chega a ser medíocre. Entretanto, ao assistir a um filme vê um ator de
figuração que é idêntico a si mesmo. Ele passa a ficar obcecado por este ator e
entra em contato com ele e com sua esposa. Quer saber mais e entender como
podem ser tão similares e vai percebendo que apesar da semelhança física eles
são totalmente diferentes. Em princípio acredita até que possam ser gêmeos
separados. E é aí que o filme se complica e abre espaço para variadas
interpretações.
O filme não é claro, ou seja, não é
linear como um filme que deixa tudo esclarecido e sem margens para erros de
compreensão. Até mesmo a sua fotografia demonstra certa escuridão e pouca
visibilidade das cores em tons mais reais. Sua trilha sonora é também soturna
trazendo mais obscuridade. Ao assistirmos ao filme não sabemos mais o que está
realmente acontecendo, ficamos marcados por dúvidas e zonas de confusão. É
justamente aí que o diretor quis que ficássemos, bem como o escritor. Não nos é
dado a certeza confortadora, mas a incerteza dolorosa e incômoda.
O personagem, apesar de inúmeras
outras interpretações, pode ser entendido como um psicótico. Alguém que sofre
de psicose é como uma pessoa que sofreu uma fratura psíquica. Seu mundo interno
fica completamente confuso e há momentos onde não se é mais possível perceber
claramente do que se trata de realidade e do que é fantasia. O psicótico sofre
por não mais conseguir saber se o que está acontecendo ao seu redor e com ele é
real ou pura alucinação. O estado psicótico é altamente doloroso porque
ficarmos em frequente confusão é enlouquecedor. O protagonista da estória está
nesse lugar e fica desesperado tentando encontrar algum sentido e buscando
enlouquecidamente uma compreensão.
Na psicose a fronteira entre o real
e a alucinação não fica bem estabelecida e o perigo reside em encarar como real
aquilo que está apenas no terreno da fantasia. As chances, quando isso
acontece, das coisas acabarem numa tragédia, são muito altas. O psicótico nota
em si algo que não consegue compreender e sofre por vivenciar realmente e não
simbolicamente a sua confusão. Quem nunca vivenciou experiências assim ou nunca
teve a chance de estar próximo de alguém sofrendo de psicose não faz ideia de
como esse estado é de um total desamparo e angústia. Tanto o livro quanto o
filme conseguem nos fazer adentrar nesse estado e nos fazer sentir como é ficar
em uma confusão sem fim e cada vez mais complicada. O sentimento é de que
estamos desamparados, o que nos causa certo desagrado e desprazer. Para quem
quer entender o que é uma psicose e o que ela nos faz é só se disponibilizar a
ler este livro ou a ver este filme. Certamente é uma experiência interessante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário