domingo, 28 de abril de 2024

O que são relações tóxicas?


 

A série "Bebê Rena" (2024), sucesso atual da Netflix, oferece uma janela  para se olhar para a complexidade dos relacionamentos, especialmente aqueles marcados por dinâmicas tóxicas. Da perspectiva da psicanálise, essas relações são frequentemente impulsionadas por conflitos inconscientes e padrões de comportamento repetitivos dos quais as pessoas envolvidas não se dão conta, ou seja, vão agindo de maneira meio que autônoma, sem perceber no que estão realmente se metendo e sem perceber também os desdobramentos que se seguirão em suas vidas e na dos outros.

Os personagens de "Bebê Rena", não só os dois principais, exemplificam diversas manifestações de relações tóxicas e abusivas. Por exemplo, a dependência emocional entre os diversos personagens reflete a busca por preencher lacunas internas através do outro, uma dinâmica comum em relacionamentos onde um parceiro assume um papel de cuidador ou protetor. Essa dinâmica pode ser observada em muitos casais na vida real, onde um indivíduo busca constantemente a validação e segurança do outro para sustentar sua própria autoestima frágil e precária.

Além disso, a manipulação emocional explicitamente vivenciada entre os personagens da série evidencia a presença de padrões de controle e poder na relação. Um exerce domínio sobre o outro, minando sua autoconfiança e reforçando uma dinâmica de submissão. Essa dinâmica pode ser encontrada em diversos contextos, desde relacionamentos amorosos até relações familiares ou profissionais, onde um indivíduo busca controlar o outro para satisfazer suas próprias necessidades emocionais e perversas.

O sadismo e o masoquismo, muito presente na série, são conceitos fundamentais na psicanálise, introduzidos por Freud como formas de descrever certos padrões de funcionamento e dinâmicas de relacionamento. Ambos os termos têm suas raízes na obra do Marquês de Sade, mas foram reinterpretados por Freud em um contexto psíquico.

O sadismo refere-se à obtenção de prazer ou gratificação através da dominação, controle, humilhação ou causando sofrimento físico ou psicológico a outra pessoa. O indivíduo que exibe comportamentos sádicos pode sentir uma sensação de poder ou superioridade ao infligir dor ou submeter outros a sua vontade. Esse impulso pode surgir de uma variedade de fontes, incluindo experiências traumáticas passadas, conflitos internos não resolvidos ou um desejo de compensar sentimentos de inadequação ou impotência.

Por outro lado, o masoquismo envolve a obtenção de prazer ou satisfação através da submissão, da dor física ou emocional, ou da entrega ao controle de outro. Esse comportamento pode ser resultado de uma variedade de fatores, incluindo experiências de abuso, negligência ou trauma, bem como conflitos psicológicos relacionados à autoestima, culpa ou necessidade de punição.

É importante ressaltar que o sadismo e o masoquismo não são necessariamente patológicos em si. No entanto, quando esses impulsos são excessivos, causam sofrimento significativo ou interferem no funcionamento saudável do indivíduo ou de seus relacionamentos, podem ser considerados problemas psicológicos.

A série também aborda questões como o ressentimento acumulado, que são ingredientes comuns em relações tóxicas. A incapacidade dos personagens de expressar suas emoções de forma saudável leva a conflitos latentes e ressentimentos não resolvidos, alimentando um ciclo de sofrimento sem fim.

Na vida cotidiana, muitas pessoas vivenciam dinâmicas semelhantes às apresentadas em "Bebê Rena", mesmo que em diferentes graus. Relacionamentos marcados por dependência emocional, manipulação e ressentimento são comuns e podem ter raízes profundas na história pessoal de cada indivíduo. A psicanálise oferece um olhar atento a esses padrões, buscando compreender suas origens e promover um olhar novo e mais compreensível para o que vivemos no nosso dia a dia e que nos traz tanto dissabor.


quarta-feira, 24 de abril de 2024

Ansiedade sobre o que o futuro nos reserva

 


No mundo há uma verdadeira crise global, incluindo guerras na Europa e no Oriente Médio, mudanças climáticas extremas, desigualdade social crescente e ainda vivemos o impacto da pandemia. Há uma preocupação generalizada com o futuro da vida no planeta, chamada hoje de ecoansiedade, evidenciada por um estudo que revela altos níveis de ansiedade sobretudo entre os mais jovens sobre o futuro que nos aguarda. O termo "antropoceno" é utilizado para descrever o período atual, onde as atividades humanas têm impactos significativos no meio ambiente e no desenvolvimento da civilização. Isso quer dizer que não dá mais para ignorar e fechar os olhos para a nossa responsabilidade sobre o que fazemos em escala mundial.

Apesar do clima sombrio, algumas perspectivas otimistas são apresentadas, proposta pelo neurocientista Sidarta Ribeiro. Ele sugere que a solução para a crise ambiental e social em que vivemos pode estar no retorno aos conhecimentos dos povos originários e na promoção de cuidados mútuos. Isso quer dizer se voltar para o lado humano que todos carregamos em potencial, mas que na maior parte das vezes não colocamos em prática.

Sidarta destaca como os seres humanos têm uma natureza peculiar e contraditória, sendo ao mesmo tempo capazes de violência e de altruismo. Eles tendem a cuidar especialmente daqueles próximos a eles, enquanto competem com os outros sentidos como distantes. Sidarta sugere que a solução está em cultivar nossos melhores instintos e corrigir aspectos problemáticos, como o preconceito, assim cuidamos um dos outros de maneira mais eficiente.

Desde tempos antigos, nossos ancestrais desenvolveram uma ética de cuidado baseada em valores como atenção, responsabilidade, competência e confiança. Sem isso a humanidade não teria sobrevivido para contar história. Essa base biocultural, embora também tenha aspectos violentos e assustadores, é caracterizada pela amorosidade, generosidade e cuidado parental. Isso é que precisa ser cada vez mais nutrido.

Outro tema que precisamos também abordar e que influencia o nosso futuro é o uso cada vez mais intenso e descontrolado da tecnologia digital que, embora tenha inúmeros benefícios e veio para ficar, também pode trazer efeitos perturbadores. A constante inundação de informações e imagens na tela dificultam a reflexão e o desenvolvimento do pensamento crítico que precisamos para viver com qualidade.

Na era digital perdemos muito a capacidade de análise crítica e decisão ponderada. Além disso, a dependência dos algoritmos para tomar decisões e guiar nossas ações podem levar ao emburrecimento e ter consequências negativas no mercado de trabalho.

Se não ficarmos atentos a inteligência artificial, no futuro isso pode afetar nossa capacidade de pensar e decidir por nós mesmos. A tecnologia pode oferecer um alívio temporário da dor, mas também nos priva do prazer e da verdadeira experiência de existir.

A conclusão, se é que há alguma, questiona se a atual realidade caótica poderia ser uma oportunidade para repensar e mudar a forma como vivemos e nos relacionamos com o mundo e com os outros.