sexta-feira, 31 de maio de 2019

Pergunta de leitor - Falta de Medo não é Coragem




Tenho dois irmãos mais velhos que são cheio de força. Eles não têm medo de nada. Sempre foram aqueles caras que metiam medo nos outros, sempre contaram vantagem. Eu, por outro lado, sempre fui nerd, cheio de medo e sofri muito bullying. Tenho hoje 19 anos e estou na faculdade, mas morro de medo de parecer ridículo aos olhos dos outros. Queria ser como meus irmãos que nada temem e que, ao contrário, botam o medo nos outros. Me sinto muito covarde, até mesmo meus irmãos acham que sou covarde. Com certeza eles serão algo na vida enquanto eu não serei ninguém.


            O seu email mostra o quão pouco você se considera, o quão rígido e cruel é consigo mesmo. Não sei quais foram os ataques que você já recebeu dos outros, mas agora o bullying está vindo de você mesmo. Em outras palavras, você mesmo está se atacando e se acuando e te deixando com muito medo.
            Ao mesmo tempo que você se desvaloriza e se despreza você valoriza e preza a maneira como seus irmãos vivem. Parece-me que há uma idealização da sua parte quando fala e pensa sobre seus irmãos. Você os considera muito corajosos e fortes, porém ao que tudo indica nunca se permitiu ver com mais propriedade a forma como seus irmãos agem. Quem precisa botar medo nos outros é porque vive com medo. Quanto mais alguém grita e se faz de valente é para ocultar um medo interno muito intenso que sente não dar conta. É assim que nascem os valentões: são gente muito medrosa, mas que aprendeu a ocultar o que sente botando terror nos outros como se assim atacasse logo de cara para não ser atacado. Se seus irmãos forem mesmo valentões eles são muito medrosos, contudo desenvolveram um jeito de ser que camufla o que realmente sentem.
            Você reconhece seu medo e não há problema nenhum nisso. Todos nós temos medo, isso faz parte da nossa natureza. No entanto, você reconhece e se agarra apenas ao medo que sente e não se disponibiliza para ver o que há mais em você. Porque com certeza não há só medo em você. E mais, você acredita que se não tiver medo vai ter coragem, mas a coragem não é resultado da falta de medo, ela é muito mais ampla.
            Hoje você necessita fortalecer a maneira como você se vê e parar de idealizar os outros lá fora. Para isso precisa desenvolver uma boa autoestima. Aprender a gostar de si, a usar aquilo que você tem e desenvolver seu potencial. Que tal procurar ajuda para isso? Numa análise poderá de fato aprender a se conhecer e desenvolver o que lhe falta. Assim não precisará mais se comparar com quem quer que seja e poderá vir a ser quem realmente é. Você não precisa ser como seus irmãos e nem viver como agora, mas pode ser você mesmo.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Seguir a si mesmo para viver bem




         Há uma anedota que conta que um mendigo que vivia de pedir esmolas num pequeno vilarejo, era motivo de chacota da população. Tudo porque quando alguém mostrava duas moedas de diferente valor o mendigo sempre escolhia a de menor valor. O povo achava tudo muito engraçado e vivia fazendo troça dele, mostrando o quanto o mendigo era tonto por escolher mal. Um forasteiro vendo a cena foi um dia conversar com o mendigo e o questionou se ele tinha consciência dos sarros de que era vítima e porque nunca escolhia a moeda de maior valor. O mendigo lhe sorriu e disse que no momento que escolhesse a mais valiosa a brincadeira deixaria de ter graça e ele perderia sua fonte de renda.
         Com essa parábola podemos aprender várias coisas. Uma delas é que as aparências nem sempre são verdadeiras. O mendigo parecia idiota, tonto, mas na verdade ele estava sendo mais esperto que a população que o considerava como tal. Isso mostra o quanto olhar apenas as aparências pode ser extremamente enganoso.
         Uma segunda coisa que podemos aprender com essa história é que se a ambição for demasiada pode por tudo a perder. Caso o pedinte começasse a cobiçar mais e mais, uma hora isso ia ser percebido e seus planos iriam por água abaixo. Já a terceira lição que penso que pode ser desprendida daqui é que mais importante do que os outros pensam de nós é o que nós pensamos de nós mesmos.
         Podemos ficar bem mesmo quando a opinião das pessoas de fora não está a nosso favor. Em outras palavras, a opinião alheia conta muito pouco quando estamos certos daquilo que nos faz bem e é nosso caminho. Infelizmente muita gente esquece disso e ficam a mercê do que os outros dizem que é correto. Acontece que nossa realidade, aquilo que sabemos de nós mesmos, não tem como ser apreendido pelo outro, que vai fazer apenas julgamentos de valores que nada tem a ver com nossa realidade interna. Saber viver e ter esses jogos de cintura fazem com que a vida se torne possível.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Pergunta de Leitora - O Perigo vem de Dentro




Sou uma pessoa muito insegura com meu relacionamento. Fantasio coisas olhando fotos e mídias da ex do meu namorado. Desta maneira, sempre acho que ele a amou mais ou fez mais por ela do que por mim. Sempre na minha cabeça fico comparando as coisas entre nós duas e isso me angustia muito. Por favor me ajude, estou desesperada.


            Sempre na minha cabeça...” essas são as suas palavras. Você fala de algo que se passa na sua cabeça, ou seja, no seu mundo interno. Claro que pode ser que seu namorado tenha gostado mais da ex ou tenha feito mais coisas por ela, mas o que fica nítido é que você não acredita nisso, que você não se baseia em nenhum elemento real por parte do seu namorado que te leve à conclusão de que seu namorado não goste de você ou que goste menos. Você mesma tem uma intuição de que são coisas da sua cabeça.
            Você que procura a outra e não ele. Até onde você sabe, pelo que escreveu aqui, não é ele que está fazendo esse movimento de procurar a ex e de compará-la com você. Esse movimento é seu, você apenas projeta nele algo da sua responsabilidade. Agora, o que se faz necessário é entender porque será que você gasta energia para fazer isso ao invés de viver o seu relacionamento de maneira mais satisfatória.       
            A sua insegurança, ouso dizer, não é com o relacionamento em si, mas é com você mesma. O que parece ocorrer, contudo, é que a insegurança toma forma no seu relacionamento e isso é prejudicial porque acaba trazendo um peso para o que vocês dois vivem que não precisaria. Você se compara aos outros e se diminui. Em outras palavras, não se dá valor. Valoriza mais o que não tem e é do outro do que em ser você mesma. Parece que você não gosta de si própria e por isso mesmo duvida que alguém, no caso seu namorado, possa gostar de você. O perigo que você corre não vem da outra ou de fora, mas de você mesma.
            Enquanto não aprender a gostar mais de si sempre correrá esse risco de crer que o amor que recebe de fora não é real. Duvidará de coisas boas e ficará sempre paranoica. Autoestima é vital para vivermos bem a vida e principalmente para viver os relacionamentos amorosos com qualidade. Em vez de procurar em outros está na hora de procurar em si mesma as coisas boas e desenvolve-las. O perigo vem de dentro e não de fora e é fundamental você compreender isso.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Colocando de lado as malas pesadas




            Imagine-se numa jornada de trem que levará algum tempo para acabar. Você carrega consigo uma mala com seus pertences. Entretanto, você comprou passagem apenas para você e não para a sua mala e como você é bastante responsável não quer pôr a mala no chão, pois teme perdê-la, então você a carrega em cima de sua cabeça. Assim você segue viagem, com a mala tornando-se cada vez mais pesada. Obviamente essa viagem seria extremamente desconfortável e nada prazerosa. Essa imagem é muito similar à forma como muitas pessoas vivem.
            Carregamos pesos que não precisaríamos e angústias que seriam melhor postas de lado. Nos apegamos aos nossos medos desmedidos, ansiedades intoleráveis e sofrimentos desnecessários como alguém que carrega uma mala pesada que estorva. A grande maior parte do nosso sofrimento são apegos que construímos ao longo da vida sem nem perceber que poderíamos viver diferentemente. Quando nos apegamos ao que nos pesa achamos, erroneamente, que estamos sendo cuidadosos e conscienciosos com nossos problemas, mas ocorre justamente o contrário.
            É fácil falar sobre não carregar os problemas, mas como se faz isso? O erro está em pensar em se livrar deles. Não temos como nos livrar dos nossos fardos e adversidades que sempre serão como malas que nos pertencem. Contudo, o que podemos fazer é mudar nossa relação com esse peso, transformar a forma como carregamos nossas malas/problemas. A ansiedade que sentimos, por exemplo, não pode ser jogada fora, mas podemos olhar para ela e tratá-la de maneira diferente e mais eficiente de modo que não nos pese.
            Com uma mala podemos pô-la ao nosso lado para que assim não precisemos carrega-la toda hora. Estando próxima ela poderá ser devidamente cuidada sem sobrecarregar sua cabeça e ombros. Com os nossos problemas também funciona assim. Onde os colocamos? Que lugar damos a eles na jornada de nossa vida? Uma das grandes belezas e utilidades da psicanálise é nos fazer viver uma nova forma de colocar os problemas para que não nos pese demasiadamente. A psicanálise não faz sumir os problemas, mas traz outras perspectivas para aquilo tudo que se tornou um fardo e nos adoece a ponto de não aproveitarmos mais a vida.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Pergunta de Leitora - O que seria um relacionamento?




Acabei brigando com meu namorado e nos separamos. Na semana seguinte eu já tinha arrumado outro cara muito melhor. Mais bonito, mais rico. Nunca fiquei sozinha desde que comecei a namorar há 10 anos e mesmo assim quando troco um cara pelo outro eu me sinto só e parece que isso vem aumentando cada vez mais. Não sei explicar o que me acontece. Estou cada vez mais bonita e com homens interessados em mim, mas cada vez mais me sinto mais sozinha. O que será que me falta?

            Provavelmente você acredita que se tiver um belo homem a tiracolo nada mais lhe faltará. Os homens, para você, parecem que são sentidos como acessórios que são trocados ao dispor do momento. Ao “objetificar” o homem você torna um relacionamento impossível de acontecer e, por conseguinte, o sentimento de vazio persiste e cresce.
            Esse ciclo que vem se repetindo se repetirá indefinidamente enquanto você não mudar a posição que atualmente você ocupa. A posição atual te impede de viver um namoro verdadeiro porque torna tudo superficial e faz do outro um objeto que pode ser trocado a qualquer instante. Seus namoros são burocráticos e parecem servir muito mais para você se afirmar carregando um belo espécime do que viver a dimensão afetiva. Sem elementos afetivos um namoro torna-se sem sentido e também esvazia porque promete aquilo que nunca será dado. No caso a promessa é sobre a experiência do amor que nunca se realiza.
            O fato de que depois da briga com o namorado você já o trocou por outro mostra que não há um registro interno de um namoro. Não houve tempo para lutos, separações, mal estar e lágrimas. A fila anda e o show não pode parar. Assim que você parece viver. Apesar de parecer que você está forte nessa atitude de não ligar para nada, é justamente o oposto e serve apenas para esconder a dor que você não se permite conhecer.
            Enquanto negar a sua dor e tentar camufla-la com namorados se sentirá cada vez mais vazia e só. O que você, hoje, necessita não é de um namoro, mas de um relacionamento e este pode começar com a psicoterapia. Está na hora de conhecer o que você faz a si mesma e ver se vale a pena.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Se apegar à infelicidade é medo de mudar




            Uma antiga história conta sobre um discípulo que foi até o mestre e disse que ia parar com seus estudos porque quando voltava para casa seus irmãos e irmãs nunca o deixavam em paz e por isso não havia condições para se concentrar e se aprimorar. O mestre escutou atentamente e depois de pensar um pouco decidiu levar o discípulo para fora onde havia um sol forte. “Olhe para cima” disse “O que vê?” “O sol, mestre.” “Pois bem, agora coloque sua mão acima da cabeça e tente tampar o sol.” O discípulo assim fez. “Consegue ver o sol agora?” “Não mais, mestre.” “ Sua mão perto do sol é insignificante, mas mesmo assim ela pôde impedi-lo de ver o sol. A mediocridade é nociva ao progresso. Não culpe os outros pela sua incompetência.”
            Quantas vezes na vida não culpamos os outros ou qualquer outra coisa por não termos a vida que queremos? Temos uma ideia errônea e prejudicial de que a vida deve ser como a desejamos sem que nenhum esforço seja desprendido. Muitos acreditam que basta desejar que tudo o mais se realiza e que as condições têm sempre que se apresentar perfeitas. Já ouvi muitas e muitas pessoas dizerem que não podem isso ou aquilo porque as condições não são perfeitas.
            Claro que há determinadas condições que trazem alguns impedimentos, no entanto, na grande maior parte das vezes as condições, por piores e desagradáveis que sejam, não são proibitivas, porém nós é que arranjamos qualquer desculpa para impedir algo de acontecer. E o que mais impedimos é de crescermos e nos realizarmos. É um paradoxo. Tudo o que mais queremos é crescer, mas também temos medo disso a ponto de nos agarrarmos à justificativas medíocres. A questão que fica é por que temos tanto medo de progredir na vida?
            Uma pessoa quer estudar, mas muitas vezes se desanima precocemente com as dificuldades que surgirão. Outra quer fazer academia para melhorar o condicionamento físico, mas sempre tem uma bela desculpa para não começar ou desistir logo em seguida. Outra quer meditar, mas desiste logo culpando fatores externos que no fundo não a impediriam de se organizar e fazer o que deseja. O desejo até existe, mas junto com ele há também toda uma série de justificativas e desculpas. Por que nos impedimos tanto?
            Depende de cada pessoa as razões de suas desculpas, mas podemos pensar que há um medo de ser feliz e de descobrir que nós, e só nós, somos responsáveis pela própria felicidade. Estamos tão habituados a ser infeliz e reclamar da vida que não vislumbramos a possibilidade de viver de outro jeito. A gente se acostuma com tudo na vida, inclusive com aquilo que não nos faz bem. Há milhões de pessoas casadas com a infelicidade ao redor do mundo e que nem se dão conta disso.
            Outro fator importante a ser levado em consideração é que quando se vive infeliz e cheio de desculpas por longo tempo, mudar isso pode trazer medo. O medo aqui é do desconhecido. Mesmo que se espere uma vida melhor ela ainda é desconhecida e tudo aquilo que não conhecemos é gerador de angústias e por isso muitos preferem ficar com as angústias já conhecidas do que enfrentar angústias inéditas, mas que podem levar a algo novo.
            É triste constatar que há tanta gente viciada na infelicidade e com medo de se desfazer dessa situação tão empobrecedora. Quem casa com a infelicidade sempre evitará a felicidade, que é um outro tipo de vida. Que tal começarmos refletindo sobre qual casamento que vivenciamos com a vida?  Se for um mau relacionamento é porque está na hora de se divorciar. Só assim estaremos livres para viver um relacionamento mais saudável e prazeroso.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Pergunta de Leitora - O Amor vem de Dentro




Estou passando um período no qual eu me sinto muito velha, sem esperança de ter alguém que me ame. Vivo sorrindo o tempo todo (aparências), mas dentro de casa choro muito. Eu fico vendo casais passar de mãos dadas (sou meio adolescente para essas coisas) e me pergunto se alguém seria capaz de me amar, me aceitar? Não é fator sexo. É carência. Me sinto tão só. Impotente.


            Você se sente velha, você diz. Não sei sua idade, mas seja ela qual for o amor se faz possível. O amor é democrático, sempre. Não há tempo para o amor. O tempo dele é, invariavelmente, o agora. Há vários tipos de amor: o amor dos pais pelos filhos, o amor entre os amigos, o amor à uma atividade apaixonante, mas você se refere aqui ao amor romântico, que se vive em um casal. Este também é possível e ninguém é velho que não possa amar e ser amado. É um engano seu acreditar que o amor pertence só aos jovens e adolescentes. Por alguma razão você se exclui.
            Agora, o que será que você exclui? Creio que muito mais do que uma possível relação romântica penso que exclui você mesma. Lendo seu e-mail pude notar que você é bastante crítica consigo própria e usa palavras para se autodepreciar (Me sinto muito velha, sem esperança, choro muito, fico vendo casais passar, me pergunto se alguem seria capaz de me amar, me aceitar, carência, impotente). Numa mensagem tão pequena que você me enviou está repleta de referências negativas. Entendo que é assim que você se vê. Negativamente.
            Antes mesmo de ser possível uma relação romântica com um outro se faz necessário uma relação consigo mesma que seja mais amorosa. Você procura no outro segurança, potência, afirmação, etc. mas são coisas que não pode vir de fora, porém só podem vir de dentro. É você quem se dá esses elementos mais íntimos. A pergunta então que você deve fazer não é se alguém pode vir a lhe amar, mas se você pode se amar. Com a pergunta posta de maneira certa muda-se completamente o enfoque com que você poderá pensar sobre a sua situação.
            Não é o outro, não se trata de algo externo, mas de algo interno que está faltando. Autoestima, amor próprio, prazer pela sua própria vida. E mesmo que você encontrasse alguém nesse momento da sua vida você não ficaria satisfeita porque o que receberia viria apenas de fora e não seria seu. A gente só aproveita o carinho e amor que vem de fora quando existe dentro também. O relacionamento que hoje lhe é primordial é o consigo mesma. Se você cuida de si, se você se permite apaixonar por si mesma você vive melhor e isso te prepara para possíveis relacionamentos com outras pessoas. Que tal uma análise para te ajudar a você ter uma relação e um olhar para si com mais amor? Quem sabe você não se apaixone por você mesma e mude tudo em sua vida?

segunda-feira, 6 de maio de 2019

A Dor da Alma




            A dor é algo assustador e que todos nós tememos. Passar por uma doença que causa dores no corpo, sofrer um acidente, se submeter a um tratamento dolorido, tudo isso tira a paz e o sossego de muita gente. A dor física é facilmente reconhecida e tratada, graças à medicina e farmácia cada vez melhores. Além disso a dor no corpo é aceita com mais naturalidade, o que facilita o seu entendimento e tratamento. Porém, quanto à dor emocional, mais comumente chamada de angústia, a história é outra.
            Por mais avançada que estejam a tecnologia, a ciência médica e farmacêutica a dor emocional continua presente e minando a vida de muitas pessoas. Para o que se passa na dimensão subjetiva os remédios podem ter efeitos paliativos, mas não são a solução. Os médicos, frequentemente, encontram em seus consultórios gente que padece de um sofrimento que está além do físico e para a qual eles não têm preparo para enfrentar: a dor mental.
            Verdade seja dita, os pacientes exigem muito dos seus médicos, cobram que eles sejam da categoria dos deuses e que para tudo encontrem ou deem a solução definitiva. E quando os médicos se submetem, mesmo sem perceber, a essa exigência acabam ficando impotentes e confusos porque o que precisa ser tratado é de outra dimensão porque tem a ver com a mente e esta é mais do que o corpo.
            Depressões, fobias, estados obsessivos, psicossomatizações são todas formas pelas quais a dor emocional se manifesta. Quem sofre dela não sabe dizer dessa dor, não tem palavras, mas reconhece que sente angústia. O que fazer com essa angústia quando hoje em dia demandamos que tudo seja resolvido para ontem? Como suportar uma dor que não tem analgésico que dê conta? Como superá-la?
            Seja desde a dor de um distúrbio mental ou a dor de um processo de perda ou luto, ou de um sentimento de humilhação, a única possibilidade é saber lidar com o que se sente. Lidamos com nossas dores de maneira ineficaz e de forma que só traz mais dores. Ninguém nasce sabendo lidar de maneira eficiente com a dor psíquica, mas é algo que se aprende ao longo da vida e através das experiências. Para lidar com a dor subjetiva é preciso ser humano e ninguém nasce humano, porém torna-se humano.
            A cura psicológica existe, contudo é diferente da cura do senso comum. A palavra cura vem do latim e significa cuidar. Portanto curar é cuidar. Um curador de um museu cuida das obras de arte. Nossa vida é uma bela obra de arte e aprender a cuidar de nós mesmos é imperativo para podermos viver com qualidade. A cura psicológica só se dá quando alguém passa a cuidar de si, ou seja, a se relacionar consigo e com o mundo de uma maneira diferente e mais favorável.
            Uma pessoa que come demais comidas nada nutritivas não tem só um problema orgânico, mas uma dificuldade pessoal de se relacionar melhor com sua fome. Quem não cuida de um órgão que requer atenção, não mostra que está sendo displicente só com seu físico, mas com toda a sua integridade. Se cuidamos tão bem de nossos corpos, porque não damos um passo a mais para cuidar da forma como vivemos de fato? Talvez, porque mudar como vivemos exige que lidemos com a angústia, agora não mais como inimiga que precisa ser eliminada, mas como um alerta de que algo não vai bem.
            Usar a angústia a nosso favor ocorre dentro de um processo analítico ou psicoterapêutico. Quando se se permite falar da dor emocional que existe ela passa a ganhar outra forma. Esse tipo de dor só se supera entrando nela para poder transforma-la em algo que não nos doa mais. O consultório de um analista ou psicoterapeuta é o melhor espaço para cada um aprender como lidar com a dor que sente de uma maneira mais humana.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Pergunta de Leitor - Solidão em meio a tanta gente




Me sinto muito só. Moro em uma grande cidade, mas não tenho amigos e nenhum relacionamento duradouro. É que é difícil gostar das pessoas. Elas são sempre muito complicadas. Quando estou só até imagino que gosto das pessoas e que quero estar perto delas, mas quando realmente estou com elas não vejo a hora de voltar para casa e ficar sozinho. É difícil suportá-las. Sou homossexual e marco encontro sexuais pela internet todos os dias e as vezes até mais de uma vez por dia. Estou viciado nisso, mas mesmo conhecendo tanta gente não há ninguém com quem eu me relacione. O que será que me acontece?


            Você se sente só e, ao que tudo indica, faz de tudo para assim ficar, apesar de que isso lhe incomoda. Você se contraria porque quer estar com gente, mas não a suporta. Quer um namoro, mas persiste em uma promiscuidade que te afasta das pessoas. A questão é: o que será que de fato você quer?
            Parece que você quer o impossível. Por isso mesmo fica tão frustrado porque quem deseja o impossível só se frustra. Na sua imaginação você consegue estar com as pessoas e até ter um namorado, mas a imaginação é controlada por você e depende inteiramente de você apenas. É mais do que imaginação, mas podemos chamar de alucinação. Você alucina estar com as outras pessoas. Alucinação não precisa passar pelo teste da realidade e os relacionamentos por você criados se moldam a tudo aquilo que você quer e deseja. Assim é fácil mesmo.
            Já um relacionamento verdadeiro existe a presença e vontade do outro que pode ser contrária a sua e com isso trazer decepções. Uma pessoa real não funcionará de acordo com o que você acha que ela deva ser, mas terá existência própria. É isso que você não suporta. Não tolera a independência do outro e que este tem funcionamento diferente do seu. Por isso que escrevi que você deseja o impossível, pois você quer estar com outros, mas só se for de acordo com o seu desejo e não como eles (os outros) podem ser na realidade.
            Ao se isolar você mantém a sua alucinação, porém se empobrece, porque os verdadeiros relacionamentos são reais e difíceis. O prazer do sexo você até tem marcando pela internet, mas esse prazer não te preenche e te deixa com mais sentimentos de solidão e vazio. A compulsão sexual que você hoje apresenta é uma tentativa desesperada de ter contato, contudo esse contato não é satisfatório porque não é verdadeiro. Você precisa compreender o que evita quando troca a realidade pela alucinação. Para isso existe a psicanálise que pode te ajudar a conhecer o que você vem fazendo e então transformar a maneira que vem vivendo para uma outra que seja, sim, satisfatória verdadeiramente.