segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Ficamos surdos no barulho

 

                                            Foto: Elyas Pasban on Unsplash

Um amigo meu que foi à praia me contou de uma observação sua. Pela praia estar lotada muitas pessoas ficavam próximas umas das as outras e cada grupo tinha consigo uma daquelas caixas de som ligadas por bluetooth ao celular para tocar músicas. O volume era estratosférico e ficava uma cacofonia que meu amigo disse que se sentiu intoxicado de tanto barulho. Realmente, uma coisa é escutar música, outra bem diferente é fazer barulho. Lamentavelmente, as pessoas fazem e escutam mais barulho do que música em si.

Aliado a essa observação do que se passava na praia, percebi no aeroporto onde estive esperando por um vôo uma moça que falava com todo mundo. Ela não conseguia parar de falar e discorria sobre os mais variados temas. Percebi que algumas pessoas que não estavam à vontade com ela e sua verborragia. Ela não notava que estava sendo inconveniente. A sensação que ela passava é que ela não conseguia ficar quieta. Não conseguia, em outras palavras, ficar consigo mesma.

Pensando sobre essas duas observações acima dá para constatar o quanto é difícil para muitas pessoas o silêncio. Elas fazem barulho, ruídos, seja falando sem parar seja ouvindo coisas continuamente. Estar em silêncio é um estado que permite que uma pessoa se escute. Não é à toa que inúmeras pessoas temem ficar sós, já que quando estamos sós estamos na verdade com nós mesmos e temos a oportunidade de nos escutarmos. Há pessoas que fogem de qualquer situação em que ficam sós tal como o diabo foge da cruz.

Escutar-se pode ser difícil e doloroso. Sabermos de nós mesmos não é uma experiência fácil. Tendemos e também estamos habituados a “escapar” de tudo aquilo que é nosso. Buscamos distrações as mais diversas para não termos que nos dar conta do que sentimos, para não termos que lidar com a nossa natureza interna. Num processo analítico é muito frequente que muitos analisandos, por exemplo, fiquem com medo de em um dado momento na sessão ficarem em silêncio, um medo de escutarem o que muitas vezes sempre foi evitado escutar internamente. 

A moça que presenciei no aeroporto não mantinha uma conversa com as pessoas que ela se dirigia, mas fazia um discurso. Uma conversa requer que haja interação, ou seja, interlocutores, mas no discurso não, precisa-se apenas de plateia, de audiência. Ela pegava alguém e supostamente iniciava uma conversa, mas ficava tal como uma hemorragia porque ela não parava de falar um minuto sequer por, ao que tudo indica, ter medo de ficar consigo mesma. 

Na praia que meu amigo foi, a guerra de som a que cada grupo contribuía aumentando o volume e deixando o ambiente um desordenado estardalhaço mostra o quanto parece custoso suportar ficar consigo próprio e com os próximos que estavam juntos. O barulho, nesses casos, servia como algo que impede um de escutar o outro. A fala era gritada e deveria deixar todos cansados prejudicando a comunicação entre eles. Talvez o objetivo inconsciente era justamente esse: barrar a comunicação de uns com os outros e principalmente de cada um consigo próprio. Quanto mais ruídos e barulhos menos precisamos nos escutar.

domingo, 23 de janeiro de 2022

Análise do filme Encanto (2021): Quando a Casa cai

 


A animação da Disney Encanto (2021) é um daqueles filmes para toda a família e não só para as crianças já que nele conta-se a história de uma família com um funcionamento bem peculiar, mas que está ruindo. É um chamado de alerta para muitas famílias. A mensagem da animação é uma que deveria ser muito bem compreendida, porém assistimos tais coisas mais como uma simples distração e não como uma diversão bastante inteligente.

A família retratada na animação é comandada pela matriarca que no passado passou por um trauma muito doloroso e ela tomou para si a tarefa de fazer sua família triunfar e prosperar. Cada membro de sua família recebia um “dom” mágico, um talento que era usado para o benefício de todos, tanto da própria família quanto da comunidade em que viviam. Contudo, uma menina muito espirituosa quando chega na idade de receber o seu dom mágico não o recebe e ela fica meio que marcada como alguém de fora, alguém que não cumpre os desígnios que se esperava dessa incrível família. Essa menina, Mirabel, cresce e se sente excluída e realmente é excluída principalmente pela sua avó, a matriarca, que não aceita o fato de sua neta não ter recebido nenhum dom mágico para acrescentar à coleção de dons da família.

Todavia, apesar de cada um possuir um dom eles estão cansados e carregam dentro de si um desejo por viver de maneiras diferentes e mais livres, mas que iriam contrariar sua tão amada avó. A casa em que moram começa a rachar, começa a mostrar que as coisas não são tão perfeitas quanto se imaginavam. A metáfora para as rachaduras da casa é mostrar as rachaduras que havia nos relacionamentos familiares. Algo não estava se sustentando mais.

Em muitas famílias apesar de haver grande amor há também certo aprisionamento entre os seus membros. Pais desejam que seus filhos sejam isso ou aquilo e quando estes contrariam os desejos dos pais, ás vezes, formam verdadeiras rachaduras dentro da dinâmica familiar. Desejar pelo outro e se impor ao outro cria situações de ruptura que machucam muita gente. Muitos pais, avós e até mesmo filhos em relação aos pais desejam uns pelos outros formando prisões e pressões desnecessárias.

Imbuído das melhores intenções muitas vezes decidimos o que é o melhor para o outro, só que como já diz um antigo e sábio ditado “De boas intenções o inferno está cheio”. Mesmo que alguém esteja carregado das melhores intenções possíveis desejar pelo outro e impor que o outro tenha que ser de um jeito determinado acaba produzindo uma prisão muito pesada. Quantas famílias não vivem assim?

Quando prevalece sobre o amor a idealização de como cada um dentro da família tem que ser, a casa cai mesmo. Primeiro haverão rachaduras que irão aumentar cada vez mais até tudo desmoronar. Uma casa/relacionamentos ruindo devem ser reconstruídos, só que agora de uma maneira bem melhor, bem mais verdadeira, bem mais estruturada, ou em outras palavras, devemos abrir mão das idealizações e deixar que cada um seja quem tiver que ser. Só pode haver amor e felicidade se houver liberdade para se ser quem se é. O amor deve sobressair sobre qualquer ideia de casa/lar que muitas vezes carregamos.


quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Análise do filme: Being the Ricardos (2021) - Mesmo havendo amor, nem tudo é possível

 

O filme da Amazon Prime, Being the Ricardos (2021), traz a história baseada em fatos reais do casal de atores americanos que estrelava a antológica série I Love Lucy. Até hoje não houve nenhuma outra série de TV que fez tanto sucesso quanto essa e no filme traz duas coisas que acho muito interessante mencionar aqui: o preconceito que havia em relação às mulheres e que num relacionamento, mesmo havendo amor, nem tudo é possível.

A atriz Lucille Ball, protagonista da série, fazia sucesso na década de 50 como a impagável Lucy, mas a atriz tinha que constantemente se provar para os roteiristas, produtores, diretores, etc. Por ser mulher esperavam que ela aceitasse tudo de cabeça baixa e também não davam muita atenção ao que ela tinha ou queria dizer. O machismo era a regra e exigiu dela muita força e inteligência para mostrar que não estava brincando. Até hoje, lamentavelmente, muitas mulheres não encontram espaço e são consideradas e tratadas como meros objetos.

Outro ponto importante a considerar no filme é que um casal constrói um relacionamento a 4 mãos, ou seja, ambos são responsáveis pelo o que acontece no relacionamento e mesmo havendo amor de ambas as partes algumas ações podem trazer feridas que jamais podem ser desconsideradas. Claro que cada casal é um e cabe a cada um saber o que pode ou não ser perdoado e esquecido. Não tem regra fixa para como um casal deve funcionar, depende de muitas coisas, do que é possível para cada um relevar.

No entanto, quando algo nos é importante devemos aprender a cuidar dele e não a agir como se aquilo tudo que prezamos sempre estará lá, disponível, nos esperando.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

A escultura e a psicanálise

 

Enquanto o artista escultor molda seu material para dar a forma que quer, o psicanalista escuta o seu analisando para ajudá-lo a compreender que forma ele pode conquistar (Foto: Unsplash)

O psicanalista Wilfred Bion (1897–1979) foi um grande pensador da condição humana e contribuiu imensamente para o enriquecimento e desenvolvimento da psicanálise. Para falar do trabalho do psicanalista, Bion uma vez comparou o psicanalista com um escultor – artista que dá vida à estatuas e imagens. Algumas esculturas são tão realistas que parecem ter vida própria,  como se fossem mesmo pessoas ou animais. Michelangelo talvez seja um dos escultores mais conhecidos ao redor do mundo e reza a lenda que quando terminou a obra do Davi disse para ela falar de tão realística que estava. Os detalhes anatômicos são realmente impressionantes e quase não seria de surpreender se ela falasse e andasse por aí. E qual o trabalho do psicanalista? É ajudar o analisando a esculpir a si mesmo.

            Um bloco de mármore, por exemplo, é só um pedaço de rocha, mas que quando trabalhado, ou seja, esculpido, ganha outras formas e detalhes que é como se ganhasse vida. Um analisando chega muitas vezes nos consultórios de seus psicanalistas como um bloco de pedra sem forma e sem vida, porém na análise pode ir ganhando um sentido que transforma muitas situações. Não que o psicanalista vá moldando o analisando, mas sim ajudando-o a descobrir que forma ele quer e precisa tomar.

            Enquanto o artista escultor molda seu material para dar a forma que quer, o psicanalista escuta o seu analisando para ajudá-lo a compreender que forma ele pode conquistar. Um esculpe o outro, escuta e assim vidas podem ir tomando formas novas e surpreendentes. É a arte imitando a vida e a vida imitando a arte.

            Na cidade italiana de Florença há algumas esculturas inacabadas de Michelangelo que se chamam Os Escravos. Nessas obras, mesmo que não terminadas, é lindo ver figuras de homens meio que saindo das pedras, como se estivessem se libertando delas. Mesmo sendo estátuas de mármore sólidas, elas contêm um movimento que exibem a força de estar nascendo. Bion usou essas obras para falar que o mesmo acontece num processo analítico.

            Numa análise o psicanalista ajuda e assiste o analisando a nascer. Às vezes situações que o prendiam e o deixavam imóveis começam a perder a força, ou melhor, o analisando começa a ganhar força e sai daquilo que inicialmente o prendia e não o deixava viver plenamente. O analisando deixa de ser escravo da própria história de vida para ser senhor de si mesmo. Detalhes que antes não eram observados e reconhecidos na vida de alguém começam a ganhar nitidez e desenrola inúmeras mudanças no desenvolvimento. É algo extraordinário.

            Tudo aquilo que é ordinário é comum, mas tudo aquilo que é extraordinário vai além do comum. Nascer dentro de um processo analítico é algo que vai muito além do comum e traz todo um significado que muda completamente como uma pessoa pode viver. Triste é quando alguém está tal como uma meia estátua, metade fora e metade dentro do bloco de pedra. Não está livre nem consegue se libertar daquilo que o aprisiona. Numa obra artística, como Os Escravos de Michelangelo, é belo, mas na vida de uma pessoa é desalentador.

           

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Saúde mental ainda precisa quebrar tabus em 2022

 

                                           Photo by whoislimos on Unsplash

Novo ano que se inicia. Momento natural de reflexão, em que as condições da existência humana ficam mais latentes e, claro, as emoções afloram sobre o que está por vir daqui em diante:  teremos um prolongamento da pandemia com novas variantes? Como enfrentaremos um ano eleitoral novamente tão tenso no País? A crise econômica vai se prolongar? Em meio a tantas ansiedades e perguntas complexas de se responder, a Campanha Janeiro Branco chega a sua 9ª edição com um tema – “O Mundo Pede Saúde Mental”.

As discussões acerca do assunto atingiram níveis muito importantes no último biênio e atuação dos profissionais da área foi fundamental para que a saúde mental ganhasse uma relevância no cotidiano das pessoas de uma forma nunca antes vista. A saúde mental virou alicerce de políticas públicas importantes em todo o mundo entre 2020 e 2021, mas ainda tem muito o que evoluir.

Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que “a pandemia interrompeu serviços essenciais de saúde mental em 93% dos países do mundo e, ao mesmo tempo, intensificou a procura por esses mesmos serviços”. No Brasil, de acordo com uma pesquisa do Instituto FSB, 62% das brasileiras e 43% dos brasileiros afirmaram que a saúde emocional ‘piorou’ ou ‘piorou muito’ durante a pandemia.

Para o psicanalista Sylvio do Amaral Schreiner, o brasileiro ainda vive “paradoxos internos” sobre o cuidado com a saúde mental que precisam ser vencidos. “De um lado, com todo os holofotes que a saúde mental ganhou com a pandemia, muitos perceberam que precisavam de cuidados para vencer medos, ansiedades, aflições e angústias que surgiram ao longo dos últimos dois anos. Por outro lado, os tabus ainda não foram totalmente quebrados e, mesmo em tempos difíceis que estamos vivendo, a saúde mental ainda é mal compreendida e acaba ficando em segundo plano na vida dos brasileiros”.

Schreiner explica que deixar de lado os cuidados com a mente pode, ao longo do tempo, piorar a saúde mental dos indivíduos, atrapalhando inclusive a vida social, econômica, familiar e profissional das pessoas. “Geralmente, quando o paciente procura ajuda especializada, ele está já num cenário bem crítico. Por isso, em tempos tão complexos em que vivemos, envoltos de tantas dificuldades no mundo externo, nunca foi tão importante cuidar do nosso mundo interno. Olhar para dentro de si muitas vezes é um desafio, pode ser confrontador, mas desembaraçar esses nós nos gera vida de qualidade que, para muitos, está ficando para trás, esquecida”.

Por fim, o psicanalista salienta que a campanha Janeiro Branco é uma excelente oportunidade para que a sociedade olhe para a saúde mental de forma mais leve, informativa, e a partir daí procurem profissionais adequados para superar os desafios que tanto afligem o mundo interior da população. “Num novo ano, fazendo uma alegoria a uma tela em branco, todas as pessoas podem pintar novas histórias para a sua vida, de uma forma mentalmente mais saudável e feliz”.

Reportagem no Portal Bonde 



domingo, 9 de janeiro de 2022

Análise do filme: “Ataque dos cães” (2021) - Quem corrói tudo que está a sua volta?

          

Ataque dos Cães (2021)/Divulgação

 

            O filme da Netflix “Ataque dos cães” (2021) traz um personagem que corrói tudo o que está em volta dele. Ele é debochado, violento, cínico e procura humilhar quem estiver ao seu alcance. Nada para ele pode ser bom, nada pode florescer. Todas as flores têm que ser destruídas. Ele é assim porque tornou-se amargo.

            Ninguém nasce amargo nessa vida, mas todos corremos o risco de ficar amargurados se não nos cuidarmos. Desenvolver amargura é uma das piores coisas que podemos fazer conosco, pois tira todo o encanto que poderíamos encontrar e a vida fica pesada e intolerável. A amargura traz uma toxicidade que envenena a nossa vida e a de quem está em volta. Amargura devasta a vida.

            No filme, o personagem tem algo em sua natureza que nunca aprendeu a aceitar e a lidar e ressentido por isso foi se afundando cada vez mais numa amargura que o envenenou tão profundamente que ele destilava veneno. Quando não lidamos com o que somos, com o que são nossos conteúdos o resultado é sempre uma traição a si mesmo.

            A pessoa amargurada é aquela que trai a si mesma.

            Só não vamos nos trair se nos voltarmos verdadeiramente para nós mesmos e aprendermos a lidar com o que somos. Só assim escapamos da amargura e deixamos de ser tóxicos.

Sem saúde mental a vida se torna um fardo

Foto: Uday Mittal/Unsplash

                Criada em 2014 por psicólogos de Uberlândia, a campanha Janeiro Branco tem por objetivo chamar a atenção dos indivíduos e da sociedade para a importância da saúde mental. No início do ano, a maioria das pessoas tem hábito de fazer planos e arranjos para o ano que começa. Planos que contemplam uma ampla gama de possibilidades, mas muitos esquecem de cuidar da própria saúde mental. Indo direto ao ponto, sem saúde mental a vida fica sem qualidade. Podemos até ter uma vida confortável e segura, mas sem saúde mental a vida fica sem sentido e viver vai se tornando um fardo. Quando não cuidamos do nosso mundo interno a vida fica intolerável.

            Uma pessoa que não conta com uma boa saúde mental tem dificuldades para trabalhar, estudar, se relacionar, encontrar realizações. A vida fica muito custosa e viver assim é sempre algo desfavorável e que contribui para o desenvolvimento de muitos transtornos que poderiam ser evitados. Se uma pessoa nessas condições já causa tantos inconvenientes para a própria vida, imagine muitos nesta situação? A pobreza em saúde mental causa prejuízos em todas as facetas da sociedade. É um problema sério.

            Falar de saúde mental ainda é um tabu, ou seja, causa desconforto e o assunto fica restrito àqueles que são tidos como “loucos ou problemáticos”. Agora, nesses dois anos de pandemia da Covid-19 alguma é inegável que houve uma transformação sobre o tema. Foi um primeiro passo para muitos outros ainda necessários. Com as pessoas enfrentando uma vida isolada, sem muito ou nenhum contato com outros, com mudanças bruscas no trabalho e na forma de viver, muita gente começou a perceber a importância de se ter saúde mental. Nunca se falou tanto sobre o assunto quanto agora, mas são poucos os que realmente vão em busca de ajuda profissional. Menor ainda a atenção que a sociedade e governos dão para as políticas públicas sobre saúde mental.

            Temos no Brasil, por exemplo, uma das melhores políticas públicas para a prevenção do HIV e de cuidados para os portadores de HIV. O País acertou em cheio nisso e faz um trabalho exemplar, mas estamos muito aquém e atrasados no que concerne à saúde mental.

            Não só no Brasil, mas no mundo inteiro saúde mental é algo que traz incômodo de se falar. Quando alguém sofre de algo da dimensão subjetiva é visto como fraco, como alguém cheio de “frescuras”, que não tem nada melhor para fazer e não como um problema sério e que pede por atenção. Porém, o que é saúde mental?

            Podemos dizer de forma muito simples que saúde mental é o que ajuda uma pessoa a se conduzir na vida de maneira mais favorável. A vida traz inúmeras dificuldades e sofrimentos, mas como vamos lidar com eles é o que conta. Podemos enfrentá-los de uma maneira mais eficiente ou menos eficiente. A maneira como abordamos o que nos acontece ao longo da vida faz toda a diferença.

            Podemos e precisamos aprender a lidar melhor com nossas mentes. Não canso de falar que é o melhor recurso que dispomos para viver bem. Precisamos nos responsabilizar mais pelo que fazemos e deixamos de fazer em nossas vidas e mudar o que for possível para que encontremos uma vida mais satisfatória. Quem se responsabiliza mais por si próprio assume as próprias rédeas da vida e não fica tão sujeito aos imperativos das próprias compulsões e do mundo externo. Cuidar da própria saúde mental é tornar-se humano e humanidade é algo que está em falta nesses mais de 7 bilhões de pessoas por aí. 

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Não é algo que se ganha, mas algo que se conquista



        Na minissérie Maid (2021), da Netflix, vemos a importância de uma pessoa adulta aprender a se cuidar verdadeiramente. Baseada em fatos reais a série conta a história de uma jovem mãe de uma menina de 3 anos que vivia com um companheiro abusivo e alcoólatra. Abusada emocionalmente e quase chegando a ser vítima de violência física ela precisou trilhar por todo um labirinto dentro de si mesma e também fora de si para encontrar um lugar onde pudesse viver com dignidade. Ela negava que sofria abusos do companheiro e
só quando se deu conta que tanto ela quanto a filha corriam riscos reais procurou mudar. Quando negamos onde estamos não temos mesmo como mudar.
        Como ela seria diferente já que seus pais nunca cuidaram dela propriamente? Sua mãe também havia sido vítima de vários abusos, físicos e emocionais, e não tinha a menor condição de apresentar a ela outra forma de viver. Seu pai era também alcoólatra e cometia uma série de violências. Uma criança que nunca é cuidada não aprende a se cuidar e terá grandes chances de se envolver em relacionamentos nada saudáveis no futuro. Quem nunca se cuidou de fato não sabe se defender porque nunca foi, primeiramente, defendido.
        Em algum momento ela foi parar num abrigo para pessoas que sofriam violência doméstica, onde viu que inúmeras outras mulheres passavam por situações similares e aprendeu que muitas delas acabavam até mesmo voltando para seus antigos companheiros e relações doentias porque se recusavam a ver o quanto estavam numa situação verdadeiramente crítica. Erroneamente achamos que é melhor não ver o que se passa, preferimos negar os fatos. Passar a enxergar onde realmente nos encontramos é o primeiro passo para uma mudança. 
            Na minissérie a personagem se sente no fundo do poço. São muitas pessoas que vivem nessa situação e o que fica claro é que, por mais ajuda que uma pessoa até possa receber, se ela mesma não quiser sair do fundo do poço, nada vai mudar. Quantas pessoas no mundo não estão passando pelas mais terríveis situações? Abusos, drogas, alcoolismo, depressão, etc. Há várias circunstâncias que podem ser o fundo do poço na vida de alguém. E sair desse lugar nunca é um processo fácil.
        Para sair do fundo do poço precisamos nos cuidar, precisamos ser nossos próprios pais e mães. Precisamos aprender a ser para nós mesmos, o que não recebemos de fora. Ninguém larga a droga, a bebida ou uma forma de viver empobrecedora por causa desse ou daquele tratamento apenas, larga quando se compromete com uma transformação real. Nós somos responsáveis pelo nosso bem-estar.
        Claro que uma pessoa numa situação desalentadora precisa de ajuda dos mais variados tipos: emocional, social, financeira, etc. Elas se fazem necessárias, porém se a pessoa não faz o esforço de se levantar, de agarrar a ajuda, nada vai acontecer. Se alguém estende uma mão para ajudar podemos nos firmar nela e botarmos toda a nossa força para nos levantar.
        Levantar-se, crescer, expandir-se são conquistas que não vêm, como um presente do universo, mas como consequência de criarmos condições para que isso se dê. Ninguém melhora apenas porque teve a sorte de melhorar, mas porque criou dentro de si mesma as condições necessárias para viver algo novo e melhor. O desenvolvimento de alguém é algo que só ocorre quando esse alguém escolhe tal caminho. Não é algo que se ganha ou se recebe, mas algo que se conquista.